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O NATAL E O DIREITO
Acadêmico: José Renato Nalini
Será fantasia pretender que o verdadeiro espírito de Natal possa tornar o sistema Justiça tupiniquim ao menos um pouquinho mais justo?

O Natal e o Direito

Uma República provida de um ilimitado número de Faculdades de Direito deveria ser um exemplo de nação impregnada de Justiça. Será que o fato de o Brasil possuir mais escolas de direito do que a soma de todas as outras que existem no restante do planeta o converte no paradigma da sociedade alicerçada sobre o justo concreto?

Até os mais cínicos reconheceriam que somos usina de proliferação de injustiças. Campeão da desigualdade. A terceira maior população carcerária do mundo. A multiplicadora de processos judiciais que não terminam com a solução intuitivamente considerada a mais adequada, mas que é mais lotérica do que justa.

O sistema Justiça mais sofisticado que a burocracia conseguiu produzir – cinco “Justiças”, duas “comuns”, geradoras de inúmeros e estéreis “conflitos de competência” – quatro instâncias e um sistema recursal caótico.

O crescimento vegetativo é perigoso, qual metástase. Recente reportagem constatou que os responsáveis pela concretização do humanamente possível “justo” não se consideram servidores, mas agentes de soberania maltratados pelo Estado, que não os remunera quais os CEOs dos grandes conglomerados empresariais.

Não se generalize, mas o sistema Justiça tupiniquim está longe de ser a instituição mais amada pelos brasileiros. Dir-se-á que o importante não é ser objeto de afeição, mas ser obedecida. Isso pode ser prático, mas longe está de se compatibilizar com aquele atributo de que o Brasil mais se ressente: a ética.

Georg Jellineck afirmou, em outro contexto, que o direito é o mínimo ético. E assim deveria ser. Nenhuma decisão judicial deveria afligir ainda mais o aflito, como não é raro acontecer. O formalismo, a burocracia, a insensibilidade, são inimigas da ética. Parece que o dogma “faça-se justiça (formal e inflexível, sem transigir com a emoção) e pereça o mundo”, fez escola e não abandona a mentalidade de grande parte dos profissionais das carreiras jurídicas estatais.

Tenta-se imbuir o detentor de autoridade da mais saudável noção de consequencialismo. O legislador colabora, inserindo nova diretriz à Lei de Introdução ao Direito Brasileiro. Mas o amor à forma, à rigidez, à literalidade da lei, preponderam. E, paradoxalmente, o sistema Justiça como um complexo – polícia, administração penitenciária, Ministério Público, Magistratura – costuma abrigar melancólica série de injustiças.

O que tem o Natal a ver com o sistema Justiça?

É a celebração do nascimento de Alguém que trouxe a esperança ao desalentado, a promessa de redenção ao deserdado, o perdão a todos. Perdoar! Quem sabe perdoar? Quem consegue distinguir o crime do criminoso? Será que aprisionar e entregar a juventude à deletéria e irreversível atuação das organizações criminosas – cada vez mais organizadas, sofisticadas e mais eficientes do que o próprio Estado – é a solução?

Subordinar todas as questiúnculas a um processo burocratizado, que a eletrônica não conseguiu contaminar a consciência dos operadores, um efeito perverso das novas tecnologias, é – de fato – fazer Justiça?

Persistir na crença de que toda e qualquer controvérsia deva ser submetida a esse aparato quantitativamente crescente e cada vez mais complexo é conceber a Justiça como verdadeiro valor humano?

No dia em que o Aniversariante deve ser lembrado, é preciso recordar também: Ele legou apenas dois comandos – amar ao Senhor Seu Deus com todas as forças, com a plenitude de sua vontade e amar ao próximo como a si mesmo. A volúpia com que os humanos produzem normas parece equiparar-se ao esquecimento daquelas duas leis fundamentais. Amar a Deus e ao semelhante.

Produzir milhões de decisões, em todas as instâncias, não equivale a introduzir “amor” às relações humanas, assim como elaborar milhões de normas, de todos os graus, não conseguiu edificar a sociedade justa, fraterna e solidária com que os utopistas sonharam.

Será fantasia pretender que o verdadeiro espírito de Natal possa tornar o sistema Justiça tupiniquim ao menos um pouquinho mais justo? Seria o melhor presente ao Aniversariante, o grande esquecido no dia de seu natalício.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 24 12 2023



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