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Acadêmico: José Renato Nalini A diplomacia é o universo do ritualismo. Reclama-se do profissional habilidade incomum à espécie.
Usos e costumes A diplomacia é o universo do ritualismo. Reclama-se do profissional habilidade incomum à espécie. Tranquilidade, serenidade, prudência, sensatez, tudo com suavidade, polidez, imperturbabilidade. Mas nem todos os diplomatas são assim. Quando compara Nabuco a Rio Branco, o diplomata Manuel Oliveira Lima enfatiza o cavalheirismo do primeiro e a rudeza do segundo. Rio Branco ficava à vontade com populares, de mangas de camisa, comia peixadas em restaurantes simples. Mas “era capaz de ser mesmo incivil com uma senhora. Vi-o, após um banquete no Itamarati, quando os hóspedes se despediam, interpelar grosseiramente um deles, o Conselheiro Camelo Lampreia, ministro de Portugal, em presença de sua esposa que, nervosamente, torcia o leque entre as mãos pálida e sobressaltada”. Não havia razão para a grosseria. Rio Branco eliminara a participação dos diplomatas nas recepções do Catete de 7 de setembro e 14 de novembro. A resolução foi tomada de repente e o Núncio, decano do Corpo Diplomático, não teve tempo de avisar os demais embaixadores. Mas quase todos residiam em Petrópolis, com receio da febre amarela. Só a legação portuguesa estava no Rio. Camelo Lampreia foi saudar o Presidente. Mas Rio Branco entendeu como infração às praxes diplomáticas e insubordinação contra as determinações do Itamarati. Para ele, suas ordens eram “ditatoriais, bismarckianas. É sabido que ele tratava no geral os diplomatas com arrogância, deixando de responder-lhes as notas ou passando meses sem responder, esquivando-se a recebe-los”. Oliveira Lima era cônscio das filigranas: “como o verdadeiro sentimento de dignidade nem sempre floresce na carrière e sim apenas uma ridícula suscetibilidade, Rio Branco pode usar e abusar com muitos dos representantes estrangeiros”. Especial a sua birra com o ministro Camelo Lampreia. Afável, bem-humorado, receptivo, este recebia constante manifestação de apreço. Num domingo de Grande Prêmio, ao chegar mais cedo ao Jóquei, o Presidente Rodrigues Alves o convidou a ocupar ao seu lado a poltrona vazia destinada ao vice-presidente Afonso Pena, que não pudera comparecer. Rio Branco não escondeu o desaponto. Mas os apreciadores de lisonja sempre têm o séquito dos aduladores. Oliveira Lima indica Graça Aranha como o principal deles. Enquanto Euclides da Cunha achava parecida com Rio Branco a caricatura que os argentinos fizeram dele, Graça Aranha exclamava: “Que horror! Que porcaria! Não tem a menor parecença!”, como se Rio Branco fosse um padrão de beleza viril. Oliveira Lima era obeso, mas não tanto quanto Rio Branco. Este não gostava que o caricaturassem gordo. Disse um dia a Oliveira Lima: “Precisamos passear juntos pela rua do Ouvidor, para que essa gente veja que o senhor é mais gordo do que eu!”. Era tamanha a pretensão de Rio Branco, que ele se desvanecia ao exibir aos seus íntimos, com um sorriso enigmático, uma carta redigida por Graça Aranha, após um almoço no Itamarati. Nessa carta, “a reunião era tratada de olímpica, sendo Rio Branco Zeus, sua filha Hortência a Minerva e Machado de Assis comparado a Platão, encantando os deuses”. O almoço foi em homenagem ao historiador romano Ferrero, que ganhou, ao final, uma caixa contendo a produção literária brasileira contemporânea. A seleção foi feita por Graça Aranha e começava com o “Canaã”, por cima de todos os outros livros. “Os Sertões”, constatou Euclides da Cunha, “escondidinhos lá no fundo”. Rio Branco, além de tudo, era rancoroso. Nutria aversão pela família Penedo e, por ele, gostaria de deixa-la a pão e água. Segurava, o quanto podia, processos no Supremo, impedindo que tivessem termo justas pretensões de colegas diplomatas. Como David Campista estranhara o banheiro que o Barão fizera no Itamarati e que custara quarenta contos, Rio Branco opôs-se a dar-lhe uma legação, como era desejo do Presidente Nilo Peçanha. A muito custo o colocou num posto sem importância, o de Copenhague. Esses, alguns dos usos e costumes da diplomacia de antanho, hoje felizmente desaparecidos. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 15 12 2023 voltar |
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