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INGRATIDÃO E INVEJA
Acadêmico: José Renato Nalini
Pobre de quem espera por gratidão, ao se dedicar ao bem comum. Resta o conforto de que a inveja é um veneno que o invejoso engole, na esperança de que o invejado venha a morrer...

Ingratidão e inveja

Duas doenças incuráveis costumam habitar algumas consciências: ingratidão e inveja. Embora se possa dizer que são estigmas capazes de envergonhar quem as abriga, em regra habitam o vazio medíocre dos ressentidos. Aqueles que, incapazes de produzir algo dignificante, passam a odiar quem o conseguiu.

A História do Brasil tem inúmeros exemplos de inveja e de ingratidão. Mereceriam tratado específico. O receio de despertar a ira dos descendentes deve desestimular os historiadores. Mas, de quando em quando, parece conveniente evidenciá-los, até para desmotivar as novas gerações, que poderiam reiterá-los. Pois tais falhas de caráter são ínsitas à natureza humana. O bicho racional é também o mais perverso.

Os Andradas foram uma família que sofreu na carne os efeitos dessas enfermidades. Amarguraram a mágoa da ingratidão, os seus descendentes. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, o terceiro desse nome, já fizera chegar a Capistrano de Abreu a sua tristeza pelo achincalhe a que alguns contemporâneos submeteram os três célebres irmãos: José Bonifácio, Antonio Carlos e Martim Francisco.

Cada um deles exerceu importante papel na História do Brasil. José Bonifácio, o “Patriarca da Independência”, foi um dos principais líderes intelectuais e políticos do movimento de independência brasileiro. Foi o primeiro Ministro do Interior e ajudou a elaborar a primeira Constituição Brasileira.

Antonio Carlos Ribeiro de Andrade, além de líder político influente para a independência, foi dos principais defensores da monarquia constitucional. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, o mais novo dos três, foi um dos defensores da autonomia das províncias. Os três deram conteúdo e norte à Constituição.

Para o terceiro Martim Francisco, “no Brasil, afirma-me Joaquim Nabuco, aliás muito andradista, é uso deprimir os Andradas, embora sua trindade fascinasse sempre a mocidade nacional. Quando José Clemente Pereira, Ledo, Januário, Sampaio e outros, hesitantes, foram merecidamente punidos como inimigos declarados da causa nacional, começaram os Andradas os dezoito meses de um governo que, inutilizando batalhões da metrópole, aparelhando a possível Marinha, arrecadando impostos apenas numa exígua faixa do país, e não derramando, por motivo político, uma gota sequer de sangue brasileiro, conseguiu, fato que desafia cópias e desconhece imitações, criar uma nacionalidade sem empréstimo externo. Naturalmente, contra esse governo, rematado que foi o artigo essencial do seu programa, as oposições se conjuntaram. Sempre assim aconteceu. É de praxe revolucionária. Amoldando-se a novas fórmulas, reagem dentro delas os interesses contrariados, e não miúdos, nem poucos eram eles de 1821 a 1823. Ao elemento português, poderoso e queixoso, adesivo e apreensivo, logicamente se ligaram, nas insídias da sua ação, o justo, porém mal aplicado despeito de Diogo Feijó, por não haver obtido assento na Constituinte, e os dissabores daqueles medrosos que, conforme reconheceu mais tarde o próprio José Clemente, padeciam da inveja que rói e do sentimento da mediocridade que atormenta. Nas eleições em São Paulo, José Bonifácio foi o penúltimo votado e Martim Francisco só alcançou a suplência, da qual desistiu, preferindo mandato pelo Rio de Janeiro, por motivos do mais atilado patriotismo. Necessariamente a maioria adversa aos Andradas teve maior descendência que a minoria. Daí, até hoje, o fato que Joaquim Nabuco assinalou. Os paulistanos festejaram o desterro dos deputados constituinte. Cumpre frisar, mas frisar bastante, frisar sem rodeios, sem subterfúgios, essa absurda circunstância: dos censores que vivem e viveram a publicar os erros dos Andradas, nem um indicou quais deveriam ter sido os seus acertos”.

Quando Martim Francisco se propunha a defendê-los, a réplica aduz à circunstância de ser descendente deles. Daí a profunda mágoa: “Aos Andradas nada se perdoa. Nem uma atenuante lhes abranda as padecidas sentenças. Suas ações mais explicáveis pela intenção, pelo momento, pelo tamanho da responsabilidade exercida, são processadas e julgadas por inexorável prevenção”.

Pobre de quem espera por gratidão, ao se dedicar ao bem comum. Resta o conforto de que a inveja é um veneno que o invejoso engole, na esperança de que o invejado venha a morrer...

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 09 11 2023



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