|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Imperdoável o descaso em que adormecem figuras de relevo em quase todas as páginas do trajeto humano pela Terra.
A penumbra esconde a glória Estranhas as veredas da História. Faz recair o brilho em alguns, a sombra em outros. Nem sempre os heróis das grandes façanhas merecem toda a fama, pois personagens obscuros são esquecidos nos desvãos da memória. Imperdoável o descaso em que adormecem figuras de relevo em quase todas as páginas do trajeto humano pela Terra. Poucos os que se devotam a desobscurecer os perfis que jazem no olvido. Basílio de Magalhães foi alguém que se propôs a isso. Proferiu conferência para retirar do silêncio espesso a figura de Frei Francisco Santa Thereza de Jesus Sampaio. Talvez quem vier a ler estas linhas nunca tenha ouvido falar dele. Entretanto, na história política em que tiver lugar a eloquência despertadora de coragem e idealismo, Frei Sampaio será capítulo obrigatório. Ele ingressou aos quinze anos no Convento franciscano de Santo Antonio e depois veio para São Paulo. Aqui recebeu prolongadas e eruditas lições de Frei Francisco de São Carlos, o frade-poeta, que escreveu “Assunção da Santa Virgem”. “Poema eminentemente nacional e um dos poucos monumentos que nos legou a geração passada”, no dizer de Fernandes Pinheiro. Em 1793 já é uma fera do púlpito. Tornou-se prodigioso orador, senhor de eloquência admirável, frase rica, nervosa e forte. Foi conquistado pelo ideal da independência e passou a conspirar, a escrever e a pregar. Suas palavras reforçaram o sentimento de brasilidade que fez com que o jovem Príncipe D. Pedro se recusasse a obedecer às ordens de Lisboa, para que retornasse imediatamente à Corte. O Major Antonio Ramos Cordeiro, que se abeberara na efusão oratória de Frei Sampaio, foi o escolhido para vir a São Paulo em 1822, trazer ao Príncipe que cá se encontrava, os papeis contendo os despachos provocadores da Corte de Lisboa. Além disso, a correspondência continha o alvitre sugerido por Martim Francisco de se declarar imediata independência do Brasil, ideia ardorosamente aceita por José Bonifácio e pela Princesa Regente. Ninguém hoje sabe – ou faz questão de recordar – que o Major Ramos Cordeiro era frequentador assíduo dos sermões de Frei Sampaio. Um deles, proferido na Capela Imperial a 7 de março de 1822, evidencia o fervor do franciscano pela desvinculação do País do jugo português: “Oh Deus! Tu que conheces que o meu interesse sobre a glória do Brasil não nasce de pretensões nem de visões particulares e, por isso mesmo, é merecedor de Tua aprovação, dirige, portanto, as minhas ideias. Que elas, saindo dos pórticos do templo, se espalhem por todas as províncias do Continente, e que vão ao longe mostrar os sentimentos do Brasil na época atual, em que se fazem esforços para que ele retroceda da mocidade ao estado de infância. Vejam os legisladores o que nós somos, para que, mudando de planos, concordem no que de justiça e de necessidade absoluta devemos ser! Senão...oh! Deus!”. Esta homilia é mais um brado altivo. Pública ameaça atirada à face da Corte Portuguesa, onde os nossos representantes, embora enérgicos e talentosos, eram insultados pela maioria portuguesa, pela plebe lisboeta aglomerada nas galerias, ao ponto de precisarem alguns fugir depois de publicarem o manifesto de Falmouh, em que explicaram a causa do seu procedimento. Não é de hoje, portanto, que os brasileiros, mercê de suas posições jurídicas, políticas ou ideológicas, têm de escapar à ira daqueles que não concordam com suas ideias. José Bonifácio tinha em Frei Sampaio um de seus mais relevantes auxiliares. Pois era um destemido. Não repelia as posições arriscadas. Sua vida não era de contido recolhimento, mas uma vida inquieta, com posturas corajosas voluntariamente assumidas e que mais danosas ainda se tornavam, no meio hostil como o de então, aos anseios da liberdade. Pedro I, que leva toda a merecida fama de responsável pela Independência, ouvia muito Frei Sampaio, a quem prometeu um bispado. Não cumpriu a promessa. Dizem que por influência daquela que, à época, era a verdadeira Imperatriz do Brasil: a Marquesa de Santos. Mas isso já é uma outra história. Fica para outra vez. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 04 12 2023 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |