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Acadêmico: José Renato Nalini Era surpreendente a bondade de Joaquim Anselmo de Oliveira em relação aos infelizes, notadamente escravos e encarcerados, mas era mais do que desamável quanto a seus superiores hierárquicos.
Rebeldia hierárquica Há pouco lembrávamos do notável orador paulista, o Arcipreste Joaquim Anselmo de Oliveira, que foi vigário de Campinas e depois cura da Sé da Capital. Se era surpreendente a sua bondade em relação aos infelizes, notadamente escravos e encarcerados, era mais do que desamável quanto a seus superiores hierárquicos ou autoridades. Sua rebeldia chegou a ser documentada no livro “O Arcipreste da Sé de São Paulo, Joaquim Anselmo de Oliveira e o Clero no Brasil”, escrito por Joaquim do Monte Carmelo. Durante muitos anos, enfrentava seu bispo e não hesitava em chama-lo à ordem, quando entendesse que o superior estava equivocado. Só nos últimos anos de sua prolongada existência é que se penitenciava dessa conduta e de ter aborrecido tanto o bispo Dom Antonio Joaquim de Mello. Costumava repetir: “Preciso viver ainda muito para resgatar o delito de ter tão duramente ofendido um bispo!”. Mas essa característica temperamental não deslustrava seus demais atributos de sacerdote compassivo, generoso, acolhedor e sempre à disposição das almas de seu rebanho. Além disso, era provido de irônico bom humor. Quando já bem idoso, foi ao Rio de Janeiro para submeter-se a uma cirurgia de catarata. Disso resultou um clamoroso insucesso. Voltou sem enxergar nada, quando ao menos de uma visão parcial era provido antes da operação. O médico Hilário de Gouveia se encontrou com ele tempos depois e perguntou: - “Padre Joaquim Anselmo, o senhor sente-se feliz?”. E ele respondeu: - “Muito! E compreendo bem que há razão para isso: vazam-me os olhos por dois contos de réis! É barato!”. Quando chegava a um ponto de vista em matéria canônica, era rígido e inflexível. Numa reunião do Cabido travou uma vez séria discussão com o Cônego Ildefonso Xavier Ferreira, figura de destaque no movimento pela Independência do Brasil. Debates ásperos foram num crescente e tamanha era a indignação de lado a lado, que chegaram – embora ambos sacerdotes – às vias de fato. O Arcipreste Anselmo arranca de um punhal e fere superficialmente o seu colega. À evidência, esse incidente ganhou repercussão. O Conselheiro Josino do Nascimento Silva, então Presidente da Província – era assim que se chamavam os governadores no período Imperial – ordenou ao delegado de polícia de então, o Conselheiro Furtado, que fosse enérgico na apuração. O Arcipreste Anselmo foi impronunciado, mas não se esqueceu do fato. Esperou momento propício para se vingar. Esse momento chegou. Era Sexta-Feira da Paixão. A Sé repleta, era difícil acomodar a multidão que dentro dela se acotovelara para assistir aos ofícios do dia: o Sermão das 7 Palavras, o momento da celebração da morte de Cristo, Sua retirada da cruz para a procissão do Enterro. Na tribuna presidencial estavam o Conselheiro Josino Nascimento e todos os demais notáveis da Província. Em frente à tribuna, o púlpito, onde a oração do dia seria proferida pelo Arcipreste Joaquim Anselmo de Oliveira, figura emblemática e dominadora. O pregador ensaia suas pausas, a oscilação de voz. Do som baixíssimo, quase impreciso, ao clamor de verdadeiro brado altissonante. Levanta dramaticamente o seu braço, aponta para o Conselheiro Josino e começa o seu sermão: - “Pilatos, presidente da Judéia, político por baixeza, contemporizador do medo, bajulador de César, diante dos sentimentos de sua fraqueza, permitiu o sacrifício de um justo, que ele era o primeiro a saber inocente!”. Todos os presentes, ainda impactados com a teimosia de Josino levar o Arcipreste a julgamento, entenderam que o recado era para o Presidente da Província. Pouco depois, D. Pedro II visitou São Paulo, Anselmo se fez ouvir diante do monarca e da Corte. Foi condecorado com a Comenda da Ordem de Cristo e convidado para pregar por ocasião do batizado de Dom Afonso. Quando de seu último sermão, já não enxergava. Um jovem sacerdote o auxiliou. Anselmo perguntou: - “Você, quem é?”. – “Sou o Padre Francisco de Paula”. – “Padre Chico? Bem sei: eu desço e você sobe!”. A profecia concretizou-se. O Padre Chico também foi uma personalidade célebre, amada e respeitada por toda São Paulo. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 03 12 2023 voltar |
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