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ADVOCACIA DE ONTEM
Acadêmico: José Renato Nalini
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda dizer ao Tribunal do Júri da Comarca de Araras que, no primeiro julgamento dos réus, houve a substituição da consciência dos jurados pela obediência a um mandonismo local.

Advocacia de ontem

Em tempos idos, na Comarca de Araras, dois italianos mataram o fazendeiro José Conceição e confessaram o crime. Nada obstante, o diretório político da cidade determinou a absolvição da dupla. E o Tribunal do Júri, obsequioso, cumpriu a ordem.

Houve o desplante de um voto de congratulações da diplomacia italiana. Apelo provido para um novo julgamento. Sobrevém nova absolvição unânime. Caso encerrado. Os homicidas legalmente livres de culpa e pena. Transitam à vontade por Araras. Enquanto isso, a família da vítima teve de se mudar.

Mas o assistente de acusação, o advogado Martim Francisco Ribeiro de Andrada, o terceiro desse nome, não descansa enquanto não obtiver o justo concreto adequado à hipótese. E obtém decisão favorável. Nova reunião dos jurados para reapreciar o caso.

Martim Francisco inicia a acusação:

“O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda dizer ao Tribunal do Júri da Comarca de Araras, que não foi legal, que não foi nobre, que não foi decente a absolvição banqueteada de dois assassinos confessos.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda dizer ao Tribunal do Júri da Comarca de Araras, que, no processo a que responderam Antonio e João Meneghino, o crime foi uma verdade e a absolvição foi uma mentira.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda dizer ao Tribunal do Júri da Comarca de Araras que, não tendo pátria o crime, igualando o artigo 72 da Constituição Brasileira (de 1891) nacionais e estrangeiros quanto às garantias de segurança individual, e declarando-se o artigo 4º do Código Penal aplicável a todos os indivíduos, sem distinção de nacionalidade: beiraram a insânia e capricharam no desrespeito, o telegrama do ministro italiano felicitando os jurados pela absolvição deste par de sicários, o parvo alvitramento de indulto pendente apelação da enérgica promotoria pública e, ainda, a insciência de que o artigo 408 do citado Código facultava à excelentíssima viúva do meu infeliz amigo José Conceição intervir como parte auxiliar no presente processo.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda dizer ao Tribunal do Júri da Comarca de Araras que, no primeiro julgamento dos réus, houve a substituição da consciência dos jurados pela obediência a um mandonismo local, aliás alacaiada vassalagem a politiqueiro notório, ontem pela falência, hoje pelo arbítrio, pela estupidez sempre.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por acórdão unânime, manda que, reaparecido no foro da Comarca de Araras, após quase semi-secular ausência atopetada de vicissitudes mas sempre mantida a dupla consciência da honra e do dever, eu repita ao Tribunal do Júri a interrogativa com que exortei nesta tribuna o meu anterior auxílio à promotoria acusadora: - Se na Itália um brasileiro matasse um italiano por uma questão de centena de mil réis, o Júri italiano absolveria o brasileiro?

Nunca acusei sem estar fundamente convicto da perversidade dos réus. Nas minhas acusações, rijas, destemerosas, havia sempre largo traço de piedade, de piedade pelas vítimas da ferocidade humana.

Foi assim que Martim Francisco obteve, finalmente, a condenação da dupla homicida.

Todavia, era um ser humano bondoso. Quando residia em Santos, durante a madrugada, percebeu passos no jardim. Armou-se e saiu. Foi fácil encontrar o ladrão que já se retirava, carregando fardo bem sortido de coisas caras. De revólver em punho: - “Alto! Faça de novo o caminho por onde entrou e saiu. Coloque-me tudo, que me tentou tirar, nos lugares que já conhece!”.

O infeliz, surpreendido em flagrante, cabeça baixa, acovardado diante da vítima armada, cumpriu a ordem. Repôs os objetos assim como os havia encontrado. Ao retirar-se, Martim estende-lhe uma nota de cinquenta mil réis: - “Toma lá pelo carreto!”.

Era um advogado misericordioso. Como deveriam ser todos aqueles que necessitam dos préstimos do profissional privilegiado com a capacidade postulatória. Nenhum ser humano consegue estar em juízo, senão acompanhado de advogado, essencial à administração da Justiça, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil.

Se a formação jurídica se preocupasse com ética, a matéria-prima de que o Brasil mais se ressente, a advocacia estaria melhor no índice reputacional que a sociedade elabora e pelo qual se guia.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 29 11 2023



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