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O SANTO PADRE CHICO
Acadêmico: José Renato Nalini
Dispunha de cultura variada e profunda. Foi o maior latinista de seu tempo. Conhecia filosofia antiga e moderna em minúcias.

O santo Padre Chico

Monsenhor Francisco de Paula Rodrigues (1840-1915), primeiro ocupante da Cadeira 11 da Academia Paulista de Letras, foi um sacerdote de excepcionais qualidades. Aureliano Leite, outro imortal bandeirante, fala dele com bizarrice. É que, mineiro de Ouro Fino, ainda criança já ouvia dizer que em São Paulo havia um padre santo. Sabia que esse sacerdote fumava cigarros de palha, fora confidente e confessor de Castro Alves, preparava alunos para as Arcadas e assombrava no púlpito.

Quando veio para São Paulo, Aureliano Leite cuidou de trazer cigarros caipiras para o Padre Chico. Ele morava na alameda barão de Piracicaba, próximo ao Liceu Coração de Jesus. Procurou pelo destinatário por várias vezes. Nunca o encontrou. Deixou então o cigarro com a criada.

Dois meses depois, submeteu-se aos exames de francês. O Padre Chico era o examinador. Reprovou-o. Quando Aureliano deixava a sala, Padre Chico falou: - “Você deve sua bomba a seus cigarros...Quem se mostrou tão generoso precisava duma boa recompensa. Vá estudar francês que o senhor não sabe patavina...”.

Adolescente, Aureliano viu romper-se o véu de bondade que envolvia o Padre Chico, a quem considerou “o mais perverso dos homens”. Sentimento que logo desapareceu. Padre Chico é uma unanimidade. Ou era, para quem o conheceu. Na Igreja ou fora dela, seria sempre grande. Houve preconceito contra ele, porque não tinha pai oficial. Mas a sociedade o recompensou. Para Aureliano Leite, “na igreja é como na política: nem sempre os melhores elementos alcançar as máximas posições. O Padre Chico não atingiu o principado romano. Cá fora, entretanto, reinou em nós todos. Se não fosse sacerdote, seria, quem sabe, praticamente um condutor de homens.

Dispunha de cultura variada e profunda. Foi o maior latinista de seu tempo. Conhecia filosofia antiga e moderna em minúcias. Estudou matemática. Mas o melhor de seu engenho era a oratória. Na descrição de Aureliano Leite: “Ouvi seus últimos sermões na antiga Sé. Sua figura física não impressionava. Era magriço, feio, ombros erguidos, arcado. Não possuía voz. Mas logo arrebatava. Principalmente porque orava, mesmo sobre assuntos de elevação, com palavras que todos alcançavam. Falar para todos, com fluência, pureza de linguagem, delicadas imagens, sem palmilhar os argumentos sovados, os chavões padrescos, constituía sua especialidade. Quando se sai disso, corre-se o perigo de ser Manfredo Leite. O Padre Manfredo Leite é um tribuno só para elite”.

Nem todos estavam à altura do Monsenhor Manfredo Leite. João Nepomuceno Manfredo Leite (1876-1969), fundador da Cadeira 25 da Academia Paulista de Letras, era erudito. Talvez um quarto dos fieis conseguisse entender o que dizia. “Os demais três quartos – o relato continua a ser de Aureliano Leite – “contentam-se com a pompa fônica de seus períodos”. Já o Padre Chico, qualquer fosse a assistência, prendia no desencadear de sua oração. Para João de Cerqueira Mendes, em homenagem quando da morte do tribuno, Padre Chico “tinha alguma coisa da elevação da águia de Meaux e alguma coisa da unção evangélica do cisne de Cambray; fazia recordar os grandes arroubos, as sublimes inspirações de Monte Averne, às vezes, as dulcifruidades de São Carlos, o orador-poeta”.

Mal proclamada a República, na festa em homenagem a São Paulo, o bispo Dom Lino encarrega o Padre Chico de fazer a pregação. Não o avisa de que a Junta Governamental se fará presente. Padre Chico sente-se desfalecer: “Fez mal Vossa Excelência. Dever-me-ia ter prevenido para preparar-me!”. E o bispo: - “Não era necessário. O senhor está sempre preparado!”. – “Pois então, dê-me a bênção!”. Ajoelhou-se e, nessa humilde postura, recebeu a bênção de seu pastor.

Proferiu brilhante e eloquentíssima oração, na qual discutiu a tese: “A separação da Igreja do Estado: Igreja livre no Estado livre”. Tão fulgurante sua pregação, que os fieis se expandiram em uníssona ovação e o aclamaram em bravos e aplausos, diante da eloquência do genial tribuno.

Em tempos de inexistência de filmagem, de gravação que hoje é comum aos milhões de celulares que são até telefone, impossível resgatar o som da voz, os arroubos, as pausas, as interjeições e a linguagem corporal do Padre Chico. Mas seus coetâneos testemunharam o esplendor de sua palavra, tanto que ele continua a ser uma lenda benfazeja, a inspirar os brasileiros de São Paulo.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 10 11 2023





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