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Acadêmico: José Renato Nalini O litígio climático é um instrumento para fazer cumprir ou reforçar os compromissos assumidos pelos governos omissos ou resistentes. Mas serve também para cobrar a ação deletéria de grandes grupos.
Justiça climática vem aí A tutela ambiental pelo Judiciário ainda padece de muitas deficiências. Primeiro, os profissionais do direito não se imbuíram da responsabilidade voltada à tutela de sujeitos de direito a um ambiente saudável, que podem ainda não ter nascido. O constituinte de 1988 erigiu como titulares desse direito à vida ecológica equilibrada os nascituros. Isso tem de desequilibrar os pratos da balança. Não é lide interindividual. A vítima das infrações ambientais é uma coletividade difusa, indeterminada. Isso intensifica a gravidade da atuação antiecológica. Depois, as sanções meramente simbólicas sequer são executadas. O Estado não consegue cobrar multas insignificantes – pois quanto custa uma árvore milenar? Qual o valor da água que se poluiu? – no período de cinco anos. Tudo prescreve e a concretização do justo não passou de um triste espetáculo, sem consequências para o dendroclasta ou poluidor. Por isso é urgente a criação de uma Justiça Climática. E sinal dela já começa a existir em paragens mais civilizadas. É o que acontece com os seis jovens portugueses que acionaram governos de alguns dos países mais ricos e poderosos do mundo: União Europeia, Rússia, Noruega, Suíça, Reino Unido, Turquia e a infeliz Ucrânia. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos começou a julgar uma ação inédita. O advogado britânico Gearóid Ó Cuinn, diretor da ONG britânica GLAN – Global Legal Action Network, que apoia os jovens, diz: “É uma batalha de Davi contra Golias”. Um caso sem precedentes. Tanto em escala, como quanto às consequências. Primeiro processo sobre alterações climáticas submetido ao tribunal que pode decidir contra os países processados. Diferente do Tribunal de Haia, cujas condenações são meramente morais ou simbólicas. O processo foi iniciado em 2020 e recebido com ceticismo por juristas conservadores. Ambientalistas e ativistas se engajaram no projeto, inteiramente custeado por financiamento coletivo online. Os quatro jovens sentiram na pele a tragédia dos incêndios em Portugal. Em 2017, Portugal registrou mais de cem mortos. Foram destruídas grandes áreas de vegetação e inúmeras propriedades. As consequências da insanidade humana em relação à natureza são inúmeras. Além das mais previsíveis, como a destruição resultante de inundações e deslizamentos de terra, as perdas materiais, a extinção da biodiversidade, o prejuízo moral consistente em não se poder aproveitar o espaço ao lar livre e a ecoansiedade, a angústia e sofrimento provocados pela crise climática. A mudança do clima, efeito das venenosas emissões causadas pelo efeito estufa, causa males à saúde física e mental. Impõe um pesado hiato em relação às esperanças para um futuro que pode deixar de existir. Tudo por insensatez de quem só enxerga dinheiro no seu horizonte. Os próprios jovens cuidaram de expor seus argumentos para os dezessete juízes da Corte, cada qual representando um país da União Europeia. Por sinal, lembro-me perfeitamente da visita feita a Luxemburgo, à sede desse Tribunal, em uma das viagens de estudo e prospecção do saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Cada magistrado fala em seu idioma. Quase todos eles entendiam perfeitamente o inglês, o francês, o italiano, o espanhol e o alemão. Quando o juiz português ia falar, o recurso aos audiofones de tradução era utilizado por todos os outros magistrados. Essa uma das características de nossa língua... Que tenham sorte os jovens portugueses. E que todos os ambientalistas – ainda são poucos, infelizmente – consigam intensificar a litigância climática. A London School of Economics detectou 2.002 casos de litígio climático desde 1986. O número dobrou desde 2015. 20 foram apresentados entre 2020 e 2022. O litígio climático é um instrumento para fazer cumprir ou reforçar os compromissos assumidos pelos governos omissos ou resistentes. Mas serve também para cobrar a ação deletéria de grandes grupos: o Estado da Califórnia processou as cinco maiores petrolíferas do mundo, por sua desastrosa atuação contra a saúde climática do planeta. Mediante provocação intensificada, talvez a Justiça convencional se convença de que também é responsável pela salvação da Terra e da humanidade. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 08 11 2023 voltar |
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