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Acadêmico: José Renato Nalini Frei Sampaio teria confessado suas faltas perante a assembleia de fieis? E suas faltas resultariam dessa promíscua convivência entre Igreja e Estado? A conferir.
Promiscuidade perigosa Até 1889, a Igreja Católica Apostólica Romana e o Estado Brasileiro eram ligados. A religião católica era a oficial do Império. A República rompeu essa tradição e se autodenominou laica. O que não significa dizer que ela é antirreligiosa. Na verdade, a Igreja ganhou com a ruptura. A nomeação de bispos deixou de ser atribuição do Imperador. Àquela época, ser bispo equivalia à prova real de um espírito profundamente bom. Alguns eram padrões de santidade perfeita, como Frei Bartolomeu dos Mártires, de quem se diz ter sido amoravelmente intransigente, dentro da letra pua do Evangelho. Fulminava com seu protesto os que vivem rodeados pelos grandes, usufruindo de suas posições e ostentando sensualismos de um luxo condenável. Nem todos eram assim, mas poderiam ser considerado “bispos de alma inteiriça”, como o foram Dom Antonio Vidal, Dom Romualdo e Dom Lino. Mas Pedro I prometeu o bispado a Frei Sampaio. Este merecia. Municiou o Regente com farto material a justificar a independência do Brasil. Mas o sonho do monge se desfez. Naqueles dias, a verdadeira Imperatriz do Brasil, distribuidora das graças oficiais, a Marquesa de Santos não permitiu a nomeação. Preferiu o Arcipreste Manoel Gonçalves de Andrade, antigo amigo da Marquesa. Era sacerdote da Ilha da Madeira e distava anos luz dos méritos do franciscano. No dizer de Arthur de Cerqueira Mendes, em “Figuras Antigas”, “além de desquerido pelos católicos, era um padre arrevesado de trajes e de maneiras, frequentando teatros, de casaca e calções leigos, voltinha e chapéu de três bicos eclesiásticos, com relações mais que mundanas na sociedade do seu tempo”. Pouco depois, realiza-se no Convento de Santo Antonio a festa de São Francisco. Frei Sampaio encarregou-se do panegírico. O Imperador assistiu aos atos religiosos e jantou ao lado da Comunidade, no claustro. O orador do dia, Frei Sampaio, precisaria cumprir uma tradição. Ofertar um ramo de cravos ao iperante e este, em retribuição à oferta simbólica da flor, presenteava-o com uma caixa de rapé, toda em ouro. Frei Sampaio estava justamente magoado. Mas não quis estabelecer desamável solução de continuidade na tradicional usança monacal. Quando a aldrava anunciou a refeição, morigerado, com os olhos rasos d’água, as mãos cheias de flores, tomou o cainho do refeitório. Mas alguém o interrompe ao longo do corredor. Era Frei Francisco de Mont’Alverne. Segura-o pelo braço e diz: - “Aonde vais? Lembra-te de que és Sampaio, o grande Sampaio, e não desças do Capitólio às gemonias dos criminosos! Volta para a companhia dos teus livros, que oram os que te ajudaram a ser grande”. Frei Sampaio reflete e resolve atender à recomendação de Mont’Alverne. Ambos se recolheram à mesma cela, sem aparecer ao Imperador, que não teve a oportunidade de oferecer a caixa do rapé. O Imperador compreendeu tal atitude. Querendo esgarçar a impressão de deslealdade, começou a procurar por Frei Sampaio diariamente, com carinhosa insistência. Envolvia-o, ademais, com delicadas e constantes atenções. Frei Sampaio não conseguiu obstar tais visitas. Mas ao fazer as pazes com o Imperador, atraiu a malquerença de quem o tinha por incorruptível. Começou a campanha de difamação que, como tudo o que é inverossímil, corre o mundo. Quais verdades inatacáveis, criaram para Frei Sampaio atmosfera de áspera odiosidade. Numa quaresma, ao pregar o sermão da penitência, Frei Sampaio foi apupado por alguns moços impertinentes. Ele fica paralisado. Volta-se para os fiéis e exclama: “Mas quem sou eu, Senhor Deus crucificado? Quem sou eu para lançar os raios de Vossa cólera sobre este povo, desviado do caminho de Vossa lei e perdido nos abismos da culpa? Eu, Vosso ministro, humilde sacerdote da lei divina, cingido pelo burel e pelo cilício, e que, misérrimo pecador, todos os dias agravo as Vossas chagas preciosas, utrajo as vestes sagradas que me revestem, profano o Santuário, e sacrilegamente me esqueço do culto sacrossanto de Vosso martírio, morte e paixão? Ah! Senhor! Eu Vos confesso as minhas culpas, eu bato no peito arrependido, eu Vos imploro misericórdia! Perdoai-me, Senhor, pela Vossa cruz e pela Vossa morte; ungi meus lábios para que pelo poder da palavra divina, este povo seja conduzido do averno, em que se acha, à terra santa da promissão, anunciada pelos profetas e celebrada pelos filhos de Israel!”. Frei Sampaio teria confessado suas faltas perante a assembleia de fieis? E suas faltas resultariam dessa promíscua convivência entre Igreja e Estado? A conferir. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 06 11 2023 voltar |
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