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O DEMOCRATA SEPARATISTA
Acadêmico: José Renato Nalini
Martim Francisco Ribeiro de Andrada foi muito aplaudido por sua trajetória. Foi o democrata paulista separatista.

O democrata separatista

Uma das versões para a Revolução Constitucionalista de 1932 é a de que São Paulo pretendia separar-se do Brasil e formar nação autônoma. Isso é desmentido pela maioria dos que lutaram por São Paulo, defensores da redemocratização. São Paulo queria uma Constituição e abominava a ditadura Vargas.

Mas a ideia de secessão esteve na consciência de alguns herdeiros dos bandeirantes. Um deles foi Martim Francisco Ribeiro de Andrada –(1775-1844), irmão de José Bonifácio e figura muito interessante na História do Brasil. Graduou-se em Filosofia e Matemática em 1798, pela Universidade de Coimbra. Militou na política. Presidiu a Câmara dos Deputados, foi Ministro da Fazenda no Império. Presidiu a Província do Espírito Santo.

Antes da República, já era democrata convicto e defendeu a separação de São Paulo, que deveria adotar a forma republicana. Sustentou a tese pela imprensa, valendo-se do “Diário Popular”, em artigos vibrantes e curtos.

Durante o governo de Cerqueira César, secretariou a Fazenda. Mostrou-se capaz e dinâmico. Atestou a situação financeira favorável de São Paulo e concluiu seu primeiro relatório com informação textual: “Digo-vos com orgulho de paulista e desafiando contestação: para o pagamento da dívida do Estado de São Paulo, precisamos apenas do tempo necessário para contar a quantia!”.

Com efeito, em abril de 1892, São Paulo devia 10.800 contos, mas tinha em caixa um saldo de 13.400 contos reais. Ainda aconselhava a administração financeira bandeirante: “Um pouco de economia da parte do legislador e a necessária fiscalização da parte do executivo serão suficientes para que o Estado possa atender a todas as despesas extraordinárias de sua organização republicana e autônoma”.

Personalidade muito sagaz, fazia da ironia uma constante em suas falas. Sua franqueza chegava a incomodar. Quando foi eleito deputado pelo 4º Distrito, foi-lhe oferecida uma recepção, na casa de Pedro de Toledo. Era também a homenagem porque seria Ministro da Fazenda de Hermes da Fonseca. Um pressuroso áulico, da cidade de Cunha, vem dizer que conseguira, mercê de expediente pouco recomendável, aumentar a sua votação naquela cidade. Martim exasperou-se: “Retire-se de minha presença! Se os votos que me deu decidissem minha eleição, renunciaria ao meu mandato!”

Outro episódio célebre ocorreu em sua cidade Natal. Nasceu e morreu em Santos, a terra dos Andradas.

Costumava usar o bonde para todos os seus deslocamentos. O cobrador vem receber a paga e Martim procura em todos os bolsos e não encontra as moedas. Pensou que já havia pago a passagem. O cobrador negou: “Não pode ser, doutor. Só agora é que comecei a fazer a cobrança!”.

Martim perdeu a estribeira. Descompõe o homenzinho que, acabrunhado, lhe pede desculpas e prossegue, agora envergonhado, a sua faina. Quando Martim chega em casa, encontra no bolso das chaves o dinheiro da passagem. Fica pasmo e aturdido. Volta ao ponto do bonde e espera, mesmo sob chuva, que o veículo retorne. Com o excesso de um homem impulsivo, Martim oferece as faces ao cobrador: “Esbofeteie-me! Tem esse direito. Ofendi-o: não lhe tinha pago a passagem!”.

Sua vida é repleta de folclore, pois era espirituoso e gostava de tiradas de humor. Quando entra no Palácio Monroe, indaga do porteiro: “O Marcolino já entrou?”. Havia dois deputados Marcolinos, companheiros de bancada de Martim. O coronel Marcolino Barreto, de São Carlos e o coronel Estevão Marcolino, da Franca. Natural, portanto, que o porteiro pedisse a explicação. “Qual dos dois, doutor?”. E Martim: “O mais Marcolino”. O porteiro, sem pestanejar, compreendeu e respondeu: “Ah! O coronel Marcolino Barreto! Ainda não chegou!”.

A um parente seu, Gilberto de Andrade, afirmou: “Os Andradas novos têm apenas herdado dos velhos o pé grande e a asma. Você é uma das exceções, Gilberto. Faça bom uso de seus talentos!”.

Muito aplaudido por sua trajetória, costumava dizer: “Tenho sorte. No Brasil não há meio termo... Ou metem a gente na Trindade ou mandam para Fernando de Noronha!”.

Esse o democrata paulista separatista, Martim Francisco Ribeiro de Andrada.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 30 10 2023



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