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Acadêmico: José Renato Nalini As mudanças climáticas têm causado fenômenos extremos. A revolta da natureza maltratada conta com a colaboração humana. Guerra na Ucrânica e na Faixa de Gaza.
Vamos acabando aos poucos O medo de grande parte das pessoas é o de que o mundo acabe de repente. Um erro na tecla do telefone vermelho da Casa Branca ou do Kremlin e o globo explode. Mas o perigo está em muitas frentes. As mudanças climáticas têm causado fenômenos extremos. A revolta da natureza maltratada conta com a colaboração humana. Guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Só isso? Não. Há outras frentes, aparentemente ignoradas pela maioria. Por exemplo: a padronização alimentar e a busca pela praticidade e por preços acessíveis alargam a porta de entrada para os produtos industrializados. Receitas tradicionais, saberes ancestrais e preparos artesanais vão sumindo. O Brasil despreza a sua exuberante biodiversidade. É importante que isso entre no radar de todos os brasileiros sensíveis. O programa “Arca do Gosto” (https://slowfoodbrasil.org.br/arca-do-gosto) parte da constatação de que 6.162 ingredientes do mundo todo tendem a desaparecer. 235 são brasileiros. Por que vão sumir? Pelas causas que todos conhecemos: desmatamento, pesca predatória, queimada, urbanização resultante de especulação imobiliária e muito distanciada da racionalidade. As novas gerações não se interessam em aprender antigas receitas. O consumo de ultraprocessados entre adolescentes é um empobrecimento da civilização. A Arca do Gosto se propõe a construir caminhos de recuperação, incentivando cozinheiros, merendeiras, cooperativas, pequenos produtores e gente de boa vontade, para resgatar aquilo que não só é nosso, genuinamente nosso, mas é algo bom. Injeta esperança no futuro da humanidade. Os treze alimentos brasileiros que tendem a desaparecer são: batata-doce roxa, rica em potássio, fonte de energia. A pitanga, que em tupi-guarani significa “vermelha”. Possui carotenoides, aliados à saúde dos olhos. Queijo de canastra, um tesouro mineiro, serve de matéria-prima para o pão de queijo. Pinhão: semente da araucária, rica em carboidrato, seu consumo vem do tempo pré-colombiano. Mas o uso da madeira do pinheiro levou as florestas de araucária à extinção. Acrescentem-se a pimenta-rosa, conhecida como aroeira, a castanha de baru, um dos símbolos do Cerrado, o palmito-juçara, retirado do caule de uma palmeira nativa da Mata Atlântica. Infelizmente, o extrativismo clandestino praticamente esgotou suas reservas. Ao contrário da pupunha e do açaizeiro, que rebrotam, a juçara morre quando do corte. Não há chance de regeneração. E o tempo necessário para que a árvore cresça é de oito a doze anos. Já a pupunha precisa de apenas dezoito meses. Outra riqueza brasileira em extinção é o pequi. Apelidado de “ouro do Cerrado”, o fruto do pequizeiro incrementa o arroz com seus colorida, aroma e sabor. Além disso, oferece uma gordura de ação anti-inflamatória. Um vegetal que está sendo redescoberto, embora também na lista da extinção é o “ora-pro-nobis”. É uma Panc – Planta alimentícia não convencional. Tem vitaminas, sais minerais e um bom teor proteico. O seu nome deriva de ter sido largamente utilizada para cerca-viva em torno a Igrejas. Como os fiéis mastigavam suas folhas nos intervalos entre as missas e demais funções religiosas, surgiu o nome “ora-pro-nobis”. Mas o que está desaparecendo não é apenas aquilo que a natureza nos ofereceu gratuitamente. É também aquilo que surgiu na imaginação de nossas mães, de nossas cozinheiras, daqueles anjos que se esmeraram para nos alimentar e nos ofertar comidas deliciosas e nutritivas. Na lista dessa riqueza que o “progresso” elimina, está a deliciosa “goiabada cascão”. Muito trabalho para ser preparado e isso explica, em parte, seu desaparecimento das cozinhas. Com seu desaparecimento, perdem-se as sutilezas de sabor e da textura de doce feito no tacho de cobre e em fogão de lenha. Também muito pouca gente faz cajuína, celebrizada por Caetano Veloso, bebida cristalina que é considerada patrimônio cultural brasileiro segundo o Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Poucas pessoas têm a extraordinária dose de paciência para o preparo da cajuína. Mas ela não pode ser apenas uma imagem melancólica, perdida na arqueologia de nossa história. Outra delícia na lista da extinção é o sequilho. Delicada iguaria constante das festas religiosas no Nordeste. Têm desaparecido as mulheres que dominam essa arte, assim como somem dos rios secos da Amazônia os últimos pirarucus, peixes gigantes que podem pesar mais de duzentos quilos. Vê-se, por esta superficial abordagem, que a humanidade não tem sido fiel na guarda de tesouros naturais e aqueles que resultam da racionalidade, algo que parece fugir, rapidamente, da mentalidade contemporânea. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 23 10 2023 voltar |
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