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Acadêmico: José Renato Nalini Meus pais, Deus lhes pague. Quando meu pensamento viaja a bordo de um coração despedaçado pela saudade, resta-me um sentimento de impotência, fragilidade e reconhecimento.
Deus lhe pague Existiu algum tempo atrás um humilde casal. Dois seres que construíram um lar, sustentado apenas por corações iluminados. O palco, a vida simples do interior. A música de fundo entoava a monotonia dos dias longos e ensolarados. O cenário descortinava um horizonte dourado, retrato de uma doce aspiração de um angustiante anseio. Desejo sentido distante demais. O trabalho diário sem grandes expectativas. Era o que restava naqueles duros tempos. Tinha que ser mantido, sob pena de não encontrar outro. A forte luta constante e penosa, para superar os percalços e dificuldades. Os pequenos filhos tinham que merecer uma vida melhor. Desdobravam-se. Pouco se valiam de seus secretos desejos pessoais. Desejavam mesmo, nos seus parcos limites, aspirar uma vida melhor aos seus rebentos. Impunha-se mais ação e energia, em pequenos detalhes de economia na medida em que os dias se transcorriam. Lembro-me destas lembranças e punge-me as recordações. Ficaram gravadas na minha memória. Não obstante, chegou o dia em que, hoje, ao recordá-lo, curvo-me ao desprendimento e abnegação deste encantado par. Tenho a convicção íntima que talvez, eu agiria de maneira diferente. Havia sido aprovado num vestibular para uma faculdade pública. Naquele tempo, devido ao reduzido número de vagas, era um feito de muito brilho a um estudante novato e de uma pequena cidade. Para mim, apenas um teste, sem ilusões de cursar uma faculdade distante do lar. Os gastos pessoais para frequentar um curso superior, em outra cidade, eram custosos demais. Como se sustentar fora de casa, se não tinha dinheiro para tanto? Não me empolguei com o fato de ser aprovado. A idéia era de um teste, em busca na verdade, de outras oportunidades. Por que sonhar, se sonhos são apenas ilusões a se perseguir? Sabia que meus pais não tinham condições econômicas. Transcorria o tempo para a matrícula. Nada me perguntavam e nada lhes pedia. Numa noite, na hora de dormir, vieram conversar comigo. Minha saudosa mãe trazia um sorriso nos lábios e meu velho pai um brilho no olhar. Perguntou-me se era mesmo a minha vontade continuar os estudos. Respondi para não se preocuparem, que iria procurar trabalho, e com o dinheiro que pudesse guardar, voltaria a estudar. Eles se entreolharam meigamente, como se tivessem certos em sua decisão. Chamou-me para acompanhá-lo até seu quarto. No velho guarda-roupa, havia umas gavetas embutidas. Puxou a última debaixo. Dentro de uma de caixa de papelão, se via alguns pacotinhos de dinheiro, presos fortemente no elástico. Olhou-me com satisfação estampada no seu rosto e disse: - filho, estas são pequenas economias que eu e sua mãe fizemos pensando no futuro dos filhos. Parte pertence a você. Pegue-a e vai fazer seu futuro. Hoje, quando meu pensamento viaja a bordo de um coração despedaçado pela saudade, resta-me um sentimento de impotência, fragilidade e reconhecimento. Impotência por não poder estender meus braços para abraçá-los e beijá-los. Fragilidade por não dito o quanto os amei. Reconhecimento por não lhes dizer: Meus pais, Deus lhes pague. Publicado no Jornal de Jundiaí, em 07 07 2023 voltar |
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