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AMARGAS DEMOLIÇÕES
Acadêmico: José Renato Nalini
Mas quem se comove com as demolições? São poucos e insignificantes.

Amargas demolições

A sanha demolitória é um dos signos da rudeza do bicho-homem. Uma coisa é a urgência do chamado progresso, outra a destruição de legados de uma era, testemunhos da história que deveriam servir como lições para a posteridade. A substituição de construções antigas por novas nem sempre atende aos requisitos da estética. Um utilitarismo raso, uma cupidez para utilização de cada centímetro de espaço, numa visão estritamente material e econômica das coisas motivam a destruição impiedosa.

Verdade que isso não acontece apenas entre nós. A leitura das "Recordações da Infância e Juventude" de Ernest Renan me trouxe à lembrança algumas perdas que ainda lamento. Ao estudar dois anos de Filosofia como introdução à Teologia, ele foi para o Seminário de Issy, então uma aldeia situada após as últimas casas de Vaugirard. A construção "foi a residência de subúrbio de Marguerite de Valois, a primeira mulher de Henrique IV, desde 1606 até sua morte, em 1615". Após a morte da Rainha Margot, diversas outras famílias parisienses a ocuparam até 1655. Para transformá-la em Seminário, a casa foi santificada: "Nada foi alterado no pequeno pavilhão da rainha; acrescentaram-lhe amplas dependências laterais e retocaram-lhe ligeiramente a pintura. As Vênus que a adornavam foram transformadas em Virgens; dos Amores fizeram-se anjos. Os emblemas com alegorias espanholas, que enchiam os espaços inaproveitados, não chocavam ninguém. Uma bela peça adornada com quadros inteiramente profanos foi, há cinquenta anos, recoberta de cal; ainda hoje bastaria talvez uma lavagem para que ressurgissem todas essas pinturas".

Recordei-me da visita que Francisco Vicente Rossi e eu fizemos ao Padre Ditmar Graeter, que fora nosso professor no Colégio Divino Salvador. Fomos à sua casa, na floresta negra, Alemanha, entre 1975 e 1976. Ao nos mostrar a sede da Casa Salvatoriana, contou que as pinturas do Olimpo, feitas pelo proprietário anterior, foram validadas como se reconstituíssem os céus. Uma adaptação protetora da obra de arte. Não foi preciso cobri-la de tinta.

Enquanto isso, o nosso edifício do Ginásio Divino Salvador, dois grandes blocos antecedidos por um enorme jardim, um chafariz permanentemente ligado, a recair sobre o abrigo circular dos peixes dourados, o caramanchão para a leitura dos breviários e toda a vegetação, deu lugar a um grande bloco sem verde.

Quantas outras edificações não vieram abaixo, para permitir o que o lucro imobiliário considera melhor aproveitamento, mas que têm um custo incalculável no apagar da História?

Lembro-me do velho "Asilo dos Velhos" na rua do Rosário, na formatação original do Mosteiro de São Bento, com um bosque lateral que poderia ter sido transformado em parque, a "Escola Normal", que deu lugar a um prédio do Correio, despido das palmeiras imperiais que a adornavam.

Por pouco o Solar do Barão de Jundiaí não veio abaixo, assim como a Ponte em arco, mais conhecida como "Ponte Torta" e que de torta não tem nada. É um exemplar raríssimo de construção ao estilo romano.

Quando se falava em "tombamento", em Jundiaí, a chacota era que essa restrição ao direito de propriedade se faria com um trator... E é melhor parar por aqui. Entrariam os belíssimos exemplares de residência familiar, substituídos por estacionamentos, o descaso para com os sepulcros da nobiliarquia local no Cemitério Nossa Senhora do Desterro e as sedes de fazenda que viraram loteamento.

Mas quem se comove com as demolições? São poucos e insignificantes.

Publicado no Jornal de Jundiaí, em 30 04 2023



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