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Acadêmico: Rubens Barbosa É hora de o setor privado e o governo voltarem suas atenções para a operação eficiente de um verdadeiro símbolo da integração sul-americana
Uma autoridade internacional para a hidrovia A crescente produção agrícola e mineral brasileira apresenta problemas logísticos que só agora começam a ser enfrentados. O transporte por hidrovias, tanto no arco norte, quanto na região sul, passou a ser melhor explorado para o transporte desses produtos. Com uma rede de 43 mil km de rios, somente 10 mil km são utilizados. Na matriz de transporte brasileiro, apesar de seus custos bastantes inferiores, as hidrovias representam cerca de 14 contra 60 de rodovias. No momento em que se fala em melhorar a competitividade do Brasil, o uso da malha fluvial poderia reduzir entre 40 e 60 o custo da movimentação de carga para grãos e minérios. A rede de hidrovias brasileiras registrou movimentação de 51,2 milhões de toneladas de mercadoria nos cinco primeiros meses do ano. É o melhor resultado da série histórica para os cinco primeiros meses do ano e equivale a uma alta de 6,53, na comparação com 2022, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários. A região hidrográfica do Paraguai foi o principal destaque percentual ao longo do período, com crescimento de 52,9, o que equivale a mais de 3,3 milhões de toneladas transportadas no Brasil. As cargas transportadas pela Hidrovia Paraná-Paraguai passaram de 800.000 tons nos anos 80 para mais de 20 milhões hoje. As dificuldades que cercam o aproveitamento pleno da hidrovia refletem também a baixa prioridade atribuída pelo poder público ao transporte fluvial, que tanto contribuiu para o rápido desenvolvimento de vastas regiões nos EUA e na Europa. O descaso crônico em relação a esse meio de transporte é responsável pelas grandes dificuldades que hoje existem para o aproveitamento das hidrovias: insuficiência de recursos, infraestrutura, conflitos na utilização das águas (a construção de hidrelétricas sem eclusas), questões ambientais, jurídicas e burocráticas, ausência de uma política de investimentos e logística deficiente. Recentemente surgiu um novo e sério problema. A Argentina decidiu cobrar pedágio no trecho até o porto de Santa Fé, quer seja tráfego internacional ou de cabotagem para cobrir os custos com obras de manutenção. Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai criticaram a medida que contraria o disposto no acordo de transporte fluvial que regula a operação da Hidrovia e determina que as mercadoras transportadas em trânsito aduaneiro internacional não estarão sujeitas ao pagamento de gravames sobre a importação ou exportação. A situação se agravou recentemente pela retenção de um comboio de embarcações pertencentes à companhia Hidrovias do Brasil por funcionários do governo da Argentina sob alegação de que a empresa se recusou inicialmente a pagar essa taxa que passou a ser cobrada pelo governo argentino, mas afinal pagou o valor sob protesto. Para o Itamaraty, o caso é “preocupante”, visto que contraria a liberdade de navegação e ameaça a segurança jurídica, “imprescindível para garantir os investimentos associados ao desenvolvimento da hidrovia como opção central de escoamento de cargas na região da Bacia do Prata”. “Do ponto de vista brasileiro, preocupa-nos, assim, o acirramento da situação com a retenção de embarcações em função de cobrança de dívida quando a discussão sobre o pedágio vem sendo legitimamente questionada pelos demais Estados-membros do Acordo da Hidrovia no marco daquele instrumento”. Trata-se do acordo sobre Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná, firmado no âmbito da ALADI, em 1992. A Argentina comprometeu-se com o Paraguai a suspender o pedágio, desde que haja uma proposta de melhoramento de todo o sistema da hidrovia. O assunto está sendo tratado pela Comissão Permanente de Transporte da Bacia do Prata, e pelo Comitê Intergovernamental da Hidrovia, órgão político integrado por representantes dos cinco países, com decisões tomadas por unanimidade e consenso. Desde sua criação as questões relacionadas a operação da Hidrovia são tratadas nesses órgãos, de baixo nível burocrático, por representantes dos ministérios do exterior e de transportes dos países membros do acordo. Creio haver chegado o momento de o setor privado e o governo voltarem suas atenções para a operação eficiente de um verdadeiro símbolo da integração sul-americana. Como forma de superar essa dificuldade, torna-se urgente o estabelecimento pelos governos da Argentina, Bolívia, do Brasil, Paraguai e Uruguai de uma autoridade internacional para gerir a operação da hidrovia, a exemplo do que ocorre na Europa com o Danúbio e o Reno e, nos EUA, com o Mississipi. Essa instância poderia ser criada por uma emenda ao acordo de 1992 e seria integrada por representantes de governo e do setor privado, representando empresas dos países membros do acordo de 1992. Existindo vontade política, a criação dessa autoridade retiraria das burocracias governamentais o tratamento do assunto e integraria de forma natural o setor privado na discussão e na solução das dificuldades que sempre existirão. O Brasil poderia tomar a iniciativa e propor a criação dessa autoridade internacional, o que contribuiria para a atração de investimentos ao longo de toda a hidrovia, na defesa dos interesses do governo e do setor privado. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo Em 10 10 2023 voltar |
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