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A URGÊNCIA É IMPACTAR
Acadêmico: José Renato Nalini
Uma nação que tem mais faculdades de direito do que a soma de todas elas, espalhadas pelo restante do planeta, precisa repensar o ensino jurídico.

A urgência é impactar

Uma nação que tem mais faculdades de direito do que a soma de todas elas, espalhadas pelo restante do planeta, precisa repensar o ensino jurídico. O direito é uma ferramenta para solucionar problemas. Todos os humanos são contingentes. Experimentam, durante sua aventura terrena, situações aflitivas, por mais se acautelem. A ciência jurídica se propõe a amenizar os efeitos de tais vicissitudes. Aplainar o caminho árido imposto aos mortais.

Só que a pretensão do bicho-homem o converteu em sabedoria sofisticada, ávida por percorrer labirínticos percursos, quase sempre eficientes para afligir ainda mais o já aflito.

É surreal o sistema Justiça tupiniquim. Duas Justiças comuns - uma federal, a outra estadual - (faltaria a Justiça municipal, mas não é bom dar a ideia...). Não parece sensato destinar um ramo do Judiciário para os interesses da União, se o Brasil - embora se denomine formalmente uma Federação - adota a unitariedade para a codificação. Um só Código Civil, um só Código Penal, um só Código Processual Civil e Penal. Por que privilegiar a União com esse ramo que chega a se intitular "a maior fonte de arrecadação do governo?". Na prática, a coexistência alimenta a indústria do conflito de competência. Explique-se ao jurisdicionado que duas Justiças se digladiam, seja porque ambas querem apreciar a causa ou, o que é mais comum, ambas não queiram julgar o processo.

Ao lado das duas "Justiças Comuns", três Justiças especiais: Laboral, Eleitoral e Militar. Paralelamente a esse quinteto, um Ministério Público para cada ramo. E ainda Ministério Público para as "Cortes de Contas", os Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios.

Criou-se a Defensoria Pública, instituição que de certa forma disputa espaço com o Ministério Público. As várias polícias - civil e militar - com as ramificações próprias à Federação. E mais de um milhão de advogados.

Seria muito saudável para esta Terra de Santa Cruz, que o ensino/aprendizado do direito fizesse com que os brasileiros conhecessem, de fato, os bens da vida com os quais podem contar, mas também assumissem as suas obrigações. As suas responsabilidades. A ânsia por reafirmar a infinita e crescente cornucópia dos direitos obscureceu bastante a ênfase nos deveres e obrigações.

Não é só. O apreço ao dogma do duplo grau de jurisdição levou o Brasil ao paroxismo singular de um quádruplo grau de instâncias judiciais. O prolator de uma decisão monocrática em primeiro grau perdeu sua importância, quando deveria ser o mais prestigiado agente da soberania estatal. É quem toma conhecimento imediato da questão. Ouve testemunhas, vítima e réu. Entranha-se no conhecimento da causa.

Não. Mal proferida a sentença, corre-se para os Tribunais de Justiça, Regionais Federais, Regionais do Trabalho. Mas a decisão colegiada não põe fim à demanda. Tudo sobe para a 3ª instância, o STJ. Que fora originalmente concebido para ser uma Corte de Cassação, no modelo italiano. E também não é a derradeira instância: tudo pode chegar ao STF, cuja missão é a guarda precípua da Constituição.

Uma Constituição analítica, a segunda maior do planeta, cuida de todos os assuntos e de alguma coisa mais. Por isso é que os processos judiciais brasileiros demoram décadas. A duração do feito é uma sanção para ambos os partícipes do drama judicial. Tenham ou não razão.

Por isso é que a Pós-graduação precisa focar na disrupção, característica de nossa era. A rapidez com que a ciência desvela segredos e a tecnologia, sua serva, se propõe a se servir das descobertas para facilitar a vida humana, tem de incidir também no vetusto e entrópico universo jurídico.

O mundo já está satisfeito com a inócua reiteração de conhecimento já palmilhado e exaurido, a adornar currículo Lattes de mestres e doutores cuja contribuição à ciência do direito é diversificar o vernáculo para falar sobre o mesmo. É hora de impactar a realidade, tão necessitada de mudança concreta na forma de enxergar e de praticar a ciência jurídica. Há muito a ser aprimorado nessa área que envolve milhões de pessoas e cuja irracionalidade prejudica, de fato, muitos outros milhões delas.

Teses e dissertações devem impactar o mundo real. As teorias já fizeram a sua parte. Agora é o pragmatismo a reinventar e a requalificar o direito, que tem, paradoxalmente, causado danos àqueles que deveria proteger.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 25 01 2023



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