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Acadêmico: José Renato Nalini
Quem convive hoje com esta insensatez conturbada que chamamos São Paulo, não imagina o que ela foi há apenas duzentos anos.
São Paulo já foi assim Quem convive hoje com esta insensatez conturbada que chamamos São Paulo, não imagina o que ela foi há apenas duzentos anos. Quando Saint-Hilaire aqui esteve, encontrou problemas com alojamento! Não havia onde se hospedar. Ida Pfeiffer, outra aventureira na primeira metade do século XIX, enfrentou a mesma dificuldade. A ela e a seus companheiros foi recusada hospedagem, primeiro por um alemão, depois por um francês, que os mandou a um português. E este também não aceitou o grupo. A carta de recomendação era uma condição imprescindível. Finalmente outro hospedeiro alemão aceitou acomodá-los e, diante da questão: quais as curiosidades da cidade? Ele respondeu que não conhecia nenhuma. Ressalvado o Jardim Botânico. Por sinal que o alemão encarregado de zelar pelo Jardim Botânico foi exonerado por ter deixado o recanto converter-se em pasto para seus cavalos e oito bois. Kidder, que visitou São Paulo em 1839, destacou esse espaço como um dos únicos lugares agradáveis da pequena urbe. Mas observou a aparência de abandono em que se encontrava. Era utilizado para esporádicos experimentos agrícolas e não possuía orçamento. Nada obstante, a Europa tentava preservar frágeis tentáculos com a pauliceia. Carlos Gorsse, cabeleireiro parisiense, prometia adornar as senhoras paulistanas para a vida mais sociável dos salões e salas de baile. Em "O Novo Farol Paulistano" de 19.11.1831, constava um anúncio: "Carlos Gorsse, cabeleireiro de Paris e discípulo dos primeiros artífices d'esta profissão, participa ao respeitável público que, tendo chegado a esta cidade para exercer sua arte, se tem estabelecido na rua do Rosário, casa nº 29, onde pode ser procurado a toda hora para pentear e cortar o cabelo a Senhoras e Senhores: fará penteados postiços de todos os feitios, marrafas sobre pentes de tartaruga, marrafas quadradas, de arame, e de repartição natural; perucas, chinós e tudo quanto pertence a seu ofício com a maior perfeição, e ao estilo mais moderno. Faz pós de muitas qualidades para tingir os cabelos brancos de qualquer cor que se desejar. Tem sortimento de perfumarias e bijuterias". Mais ambicioso era o inglês Henry Fox, que pretendia dominar a falsa ciência apta a enganar a burguesia crédula. Oferecia "água de pérolas, cujas virtudes são curar empinges, queimado ao sol e todas as moléstias que atacam a pele, tornando-a lisa e clara; gotas anódinas, as únicas conhecidas para imediatamente curar a mais intensa dor de dentes, sem ofender o dente. Também dispunha da mistura divina, da qual um vidro constituía uma cura certa para gonorreia e pasta de flor de lírio, dentifrício especialmente recomendado às senhoras, pois que não só conserva os dentes, como lhes dá novo brilho e delicioso hálito". Era o que constava do anúncio exposto em "O Futuro" de 7 de dezembro de 1847. Em 1828, trezentos e trinta e seis colonos alemães foram mandados pela agência de colonização estrangeira no Rio para Santo Amaro e Itapecerica. O governo da Província forneceu-lhes dinheiro e alimentação por ano e meio, terra, gado - tudo para ser restituído ou pago em quatro anos, isenção de impostos por 8 a 10 anos e um médico e vigário pagos, por um ano e meio. Os paulistanos não gostavam dos estrangeiros. "Um patriota" - lamentava em "O Farol Paulistano", o subsídio provincial, "sangue dos nossos concidadãos", desperdiçado em importar "gente estranha (si vera est fama) facinorosa, com inauditos sacrifícios, para colonizar um país que não precisa. Os Paulistas deploram se é que não detestam semelhante colonização. Mal recebidos, esses imigrantes acabaram em situação de quase penúria, quando cessaram os subsídios. E tiveram de se adaptar ao meio. Isolados, solo não muito fértil, fizeram-nos acaboclados, ou seja, assimilados à língua, religião e padrão de comportamento de certa maneira indolente do caboclo rural paulista. Não se excluem os casamentos entre os dois grupos. A sobrevivência reconhecível da colônia alemã é uma porção de sobrenomes alemães deformados, diante da dificuldade de pronúncia e grafia dos nomes de família germânicos. Hoje, na primeira metade do século 21, São Paulo acolhe todas as etnias e todas as pátrias. É uma cidade cosmopolita, onde não existe qualquer estranhamento ou resistência à chegada de estrangeiros. Diz-se que é a maior cidade italiana fora da Itália, a maior população japonesa fora do Japão e daí por diante. Mas há apenas dois séculos, a coisa era diferente. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 29 04 2023 voltar |
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