Compartilhe
Tamanho da fonte


UM LEÃO DE FACE MEIGA
Acadêmico: José Renato Nalini
Corpo débil e face meiga. Mas no fundo, um leão, um lutador intrépido e temerário. Assim é que Júlio Mesquita descrevia seu amigo Francisco Quirino dos Santos

Um leão de face meiga

Corpo débil e face meiga. Mas no fundo, um leão, um lutador intrépido e temerário. Assim é que Júlio Mesquita descrevia seu amigo Francisco Quirino dos Santos, outro campineiro que fez história.

Nascera em Campinas aos 14 de julho de 1841 e morreu muito cedo. Ainda não tinha 45 anos quando faleceu em São Paulo, aos 6 de maio de 1886.

Foi um estudante muito dedicado nas Arcadas de São Francisco. Sempre colaborou nas publicações que abrigavam a criatividade acadêmica à época. Escreveu na “Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano” e foi redator de “O Lírio”, em 1860, da Associação Culto à Ciência e de “A Razão”.

Um seu colega que fazia a crônica da estudantada franciscana, Peçanha Póvoa, sobre ele escreveu em “O Saci”: “Quirino é um talento poético; é modesto em aparência. Orgulho na sombra, tufão que se prepara, rio que há de inundar. Aquele perfil de conspirador romano bem inculca a coragem de um espírito enérgico, de um coração patriótico. A literatura tem sido para esta inteligência uma inocente recreação; há de lhe ser um constante penar, porque noto-lhe tendência para este estudo. A majestosa serenidade de seu caráter e a gravidade de seus atos hão de o elevar”.

Em 1862, valendo-se das férias entre 4º e 5º anos, Quirino dos Santos escreveu a letra de um hino que foi musicado pelo Maestro Sant’Ana Gomes e cantado na inauguração de uma sociedade dançante em Campinas. Foi a primeira vez em que ele apareceu no Correio Paulistano, isso em 3.12.1862.

Apareceria muito mais no prestigioso jornal que era o órgão oficial do PRP – Partido Republicano Paulista. Em 3 de maio de 1863 publicou “Versos para recitar ao piano”. No dia 7 de julho, noticiava-se que recitara no espetáculo em benefício do ator Joaquim Augusto, várias poesias de próprio punho. Aos 19 de julho, saía um artigo comentando peça teatral de L.C.P. Guimarães Júnior, chamada “Um Pequeno Demônio” e, aos 22 de dezembro, o “Correio” noticiava uma homenagem ao seu talento, uma substanciosa resenha sobre seu livro de poesias.

Escreveu muito, na Imprensa e publicou o livro de poesias “Estrelas Errantes”. Tornou-se redator do Correio Paulistano e se casou em 1864 com Maria Cândida de Azevedo Marques, filha do fundador do jornal, Joaquim Roberto de Azevedo Marques.

Foi nomeado na capital delegado suplente. Um mês antes de se casar, foi obrigado a refrear atitudes intempestivas de estudantes que exigiam da orquestra, tocasse a “Polka Bourroul”, numa apresentação teatral. A algazarra era grande e ele agiu com sua autoridade de policial. Mas os estudantes sempre levavam a melhor. Em virtude disso, ele terminou por pedir demissão do cargo.

Voltou para Campinas e brilhou no Júri. Era o “orador torrencial” que Francisco Glicério chamava de “Meteoro”. Fundou, em 1869, “A Gazeta de Campinas”, da qual foi redator e proprietário até 1879.

Integrou o primeiro diretório do Partido Republicano Campineiro, ao lado de seu colga de Faculdade, Campos Salles. Aliás, Campinas era um crescente berço republicano. A famosa “Casa do Eloy” era o ponto de encontro daqueles que se tornaram líderes da nova forma de governar, como Francisco Glicério, um propagador fervoroso da República que surgiria pouco depois.

A verve de Quirino era uma arma poderosa de propaganda dos que acreditavam que a Monarquia já dera seus frutos e que agora era algo bizarro e exótico na América Latina.

Tornou-se célebre um júri no qual aceitou defender graciosamente um réu cujo crime teria sido “aliciar escravos, reunindo-os em sua casa e aconselhando-os à fuga”. Para a sociedade escravocrata do tempo, cujas bases econômicas se alicerçavam no trabalho servil, o fato assumia hediondez. Acenava com aspectos odiosos e inquietantes de subversão total da ordem e do regime legal. Seu autor era alvo de um opróbio geral. Condenação certa.

Ninguém queria patrocinar essa causa. Quirino dos Santos aceitou defender o acusado e, por incrível pudesse parecer, conseguiu a absolvição do imputado. Graças ao seu reconhecido talento persuasor, o domínio da linguagem, os dons de oratório exercitados em constantes eventos e a crença inabalável de que a escravidão era mácula que não poderia mais permanecer a tisnar a gente brasileira. O “leão de face meiga” sabia convencer os seus contemporâneos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 03 10 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.