Compartilhe
Tamanho da fonte


CIÚMES DE HOMEM
Acadêmico: José Renato Nalini
Poder-se-ia mencionar miríade de fatos comprobatórios dessa vulnerabilidade humana. Porém é melhor abrigar-se no passado, para que ninguém se sinta ultrajado e possa questionar essa invasão de privacidade.

Ciúmes de homem

Quem arrostou a tormenta de conviver com ególatras tem noção do que representa o famigerado sentimento que se denomina “ciúmes de homem”. O ressentimento daquele que vê alguém, que considera menos dotado do que ele, galgar posições ambicionadas, mas perdidas.

Poder-se-ia mencionar miríade de fatos comprobatórios dessa vulnerabilidade humana. Porém é melhor abrigar-se no passado, para que ninguém se sinta ultrajado e possa questionar essa invasão de privacidade.

Recorro, portanto, a Joaquim Cândido da Costa Senna (1852-1919), mineiro do Serro, brilhante aluno da Escola de Minas de Ouro Preto. Foi criado pelo Padre Senna, então vigário da cidade, depois educado no famoso Caraça. Estudioso, quando aluno da Escola de Minas de Ouro Preto, instalou uma lâmpada voltaica na praça, durante a visita do Imperador. Com isso, caiu nas graças do magnânimo Pedro II, que o fez comendador da Ordem da Rosa.

Falava bem o francês e, com o advento da República, embora não fosse republicano, foi considerado adesista. O governador Cesário Alvim o convidou para representar o Brasil no Chile, numa exposição mineralógica. Em Santiago, recebia a todos no pavilhão mineiro, falando perfeitamente o espanhol, o francês e o inglês.

Tanto se impôs que o representante inglês ficou enciumado, forçou um incidente e fez com que a Inglaterra quisesse se apoderar da Ilha da Trindade. Mas a boa sorte continuava a sorrir para Costa Senna. Foi senador, vice-presidente e, finalmente, presidente do Estado, pois o seu concorrente faleceu. No governo mineiro, dizia deliberar de acordo com sua consciência: “o que me guia, o meu fanal, é o bem público, a felicidade do povo”. Indispôs-se com os burocratas, que faziam do fetiche da lei e do regulamento, um calvário para a cidadania.

Desburocratizou Minas Gerais e, ao deixar o comando do Estado, o povo chorou, saudoso dos dias mais felizes de que se havia memória nas alterosas montanhas.

A Presidência da República o encarregou de representar o Brasil em Turim, que faria uma grande exposição mundial. Exerceu com ciência e suavidade a sua embaixada. Tornou-se logo o mais popular comissário da grande feira. Dirigia palavras amáveis a todos os trabalhadores e, após montagem do pavilhão tupiniquim, oferecia aos visitantes pacotinhos de café e chocolate. Falava a língua dos visitantes. Até o mandarim, com o Embaixador da China.

A Rainha Helena, da Itália, ficou surpreendida com o bom italiano de Costa Senna. Foi o que bastou para que a burocracia diplomática se enciumasse. O agente consular observou que ele não poderia dirigir-se diretamente à rainha, sem necessitar do seu concurso e sem que Sua Majestade o autorizasse. Só que a rainha estava muito feliz, porque o representante do Brasil na Exposição ofereceu-lhe uma artística caixa, em madeira brasileira, com exemplares das pedras preciosas de nossa Pátria.

Sua fama de gentleman erudito se espalhou logo. A Princesa Letizia também quis visitar a mostra brasileira. Foi recebida em recepção condigna, com mate, aromático café de Baturité, chocolate, doces cristalizados e piano com as senhorias Magdalena Tagliaferro e Guiomar Novaes.

Costa Senna quis oferecer uma recepção no 15 de novembro, aniversário da República. Enquanto providenciava, auxiliares invejosos conspiravam. Telegrama enviado ao Ministro da Agricultura, Pedro de Toledo, dizia: “Impeça realização festa 15 Novembro. Contrário passaremos vergonha, tal mixórdia, falta linha, ridícula democratização. Cumprimos nosso dever quanto é tempo evitar fiasco”.

Pedro de Toledo telegrafou a Costa Senna, a 13 de novembro, cancelando a festa. Ele teve de perambular por Turim, rescindindo acordos, pagando fortes somas, prometendo preferência para mais tarde. No dia seguinte, os principais diários da Itália publicavam uma nota: “Nobre gesto do Brasil para com a Itália”. Dizia que o Brasil cancelara os festejos, inoportunos “quando mães e viúvas italianas choram os seus entes queridos tombados heroicamente nos campos de batalha da Tripolitania”. O Brasil oferecia à Princesa Letizia 50 mil liras para serem distribuídas entre as mães e viúvas dos heróis mortos na guerra.

Todos elogiaram o Brasil, enquanto os desafetos se ralavam de despeito. Só muito mais tarde Costa Senna soube da traição de seus subalternos. Nem se deu ao trabalho de cobrá-los.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 30 09 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.