Compartilhe
Tamanho da fonte


JUSTIÇA E CAOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Não há como deixar de se pensar em caos, quando se analisa o sistema Justiça brasileiro. Nada em caráter pejorativo.

Justiça e caos

Não há como deixar de se pensar em caos, quando se analisa o sistema Justiça brasileiro. Nada em caráter pejorativo. A teoria do caos surgiu de forma consistente nos anos sessenta, elaboração de Edward Lorenz, meteorologista do MIT, o famoso Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Ele partiu do estudo dos processos não-lineares, assim chamados aqueles em que as equações envolvem taxas variáveis de mudança, em lugar de taxas fixas. Por consequência, nesses processos as mudanças são labirinticamente multiplicadas.

Foi Larenz o elaborador da teoria “efeito de borboleta”: o caos pode derivar de pequenos desvios, aparentemente insignificantes. Acrescente-se a essa linha de pensamento a teoria dos fractais, de Benoit Mandelbrot, para encontrar no sistema recursal brasileiro certa padronização caótica.

Aparentemente, o sistema é racional, pois o enxergamos sob a ótica microscópica: uma perspectiva binária e auto-reprodutiva. De cada decisão, cabe um recurso. Melhor ainda: de cada decisão, cabem inúmeros recursos.

Embora calcado num padrão supostamente lógico, o sistema recursal permite uma reprodução em cadeia de irresignações, que vão chegar às instâncias superiores, de forma sucessiva e espiralada.

O caos – agora na versão singela do que se pode considerar caótico – está presente nas quatro instâncias em que se desenvolve a Justiça brasileira. O ideal seria que todos os processos terminassem na segunda instância. Esse o princípio norteador do duplo grau de jurisdição.

O juiz monocrático decide – e sua decisão tem de ser levada a sério, porque é aquele que se defronta com o calor da contenda, com a flagrância da situação, com os fatos que acabaram de acontecer (ao menos em regra) – e a parte insatisfeita recorre à segunda e definitiva instância. É composta de um colegiado, presumivelmente formado por pessoas com maior experiência. Mas uma vez proferida a decisão deste segundo grau de jurisdição, ela deve ser definitiva.

O Brasil adotou esse caótico cenário de quádruplo grau de jurisdição. A decisão de primeiro grau é verdadeira “minuta”, porque passará pelo Tribunal, chegará ao Superior Tribunal de Justiça e, indefectivelmente, ao Supremo Tribunal Federal.

A inspiração para o STJ foi a Corte de Unificação italiana. Pensou-se que o STF seria o órgão de guarda precípua da Constituição. Já uma Federação com vinte e sete Estados membros, cada qual com o seu aparato de Judiciário, poderia produzir várias leituras de aplicação da lei federal. Então o STJ unificaria a jurisprudência.

Não foi concebido para adentrar à discussão fática, para invalidar decisões, para encontrar fórmulas ainda não pensadas de aplicação da lei federal que, na verdade, é una. Não existem Códigos Estaduais. Toda a legislação é nacional. Daí outra aparente incongruência do sistema brasileiro: ter duas Justiças “comuns”, uma federal, outra estadual. Aparentemente, só para multiplicar as hipóteses de conflitos de competência. Discussões que não atendem ao ideal do justo e que só procrastinam a outorga da decisão definitiva em busca da qual as partes enfrentam esse calvário.

De igual maneira, o STF deveria ser Corte Constitucional. Desvencilhar-se de competências que o tornam o centro político da república tupiniquim. Se viesse exclusivamente a sinalizar à nação o que vale e o que não vale, nessa realidade em que tudo é constitucional e tudo tem de chegar à caótica estrutura definidora da segurança jurídica, já cumpriria, à exaustão e excelência, o seu relevante papel.

Os gregos, quando pretendiam fazer referência a um vazio abissal, usavam a palavra “cháos”. Acreditar que todo inconformismo, por insignificante seja, tem o condão de movimentar a dispendiosa estrutura do sistema Justiça aqui inventado, é algo que produz resultados catastróficos imprevisíveis. Quais sejam: a imprevisibilidade, a insegurança jurídica, e, a final, a descrença na eficácia da Justiça humana.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 27 09 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.