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ATRASADA, MONÓTONA E PROVINCIANA
Acadêmico: José Renato Nalini
Assim era São Paulo na segunda metade do século XIX. Como é que se descreveria a São Paulo de 2023? Quem se arrisca a fazê-lo?

Atrasada, monótona e provinciana

Assim era São Paulo na segunda metade do século XIX. O relato de Zaluar, nas “Peregrinações pela Província de São Paulo” descreve a cidade com ruas sem calçamento ou pessimamente calçadas de pedaços irregulares de pedras. Iluminação nenhuma ou escassa, distribuída por desgraciosos lampiões que funcionavam movidos com azeite de peixe, pregados a postes de madeira, irregularmente cortados. Os de querosene só chegaram muito depois. A iluminação a gás data de 1871 e foi considerada enorme progresso.

Água? Só se recorrendo a fontes, chafarizes ou cisternas. Esgoto inexistente. Assim como rareavam os hotéis. Por sinal, a tradição paulista era recebe visitantes em casa. Recorrer a casas de pasto e pousadas comprometia a honra e a boa fama da pessoa, principalmente se fosse mulher.

Hotéis eram dois, pois não se poderia chamar assim algum estabelecimento de fama duvidosa. Havia o Hotel Paulistano, de Adolpho Dusser, na rua São Bento e o Hotel do Comércio, de Hilário Magro, na rua da Fundição e Largo do Colégio. Depois surgiu o Hotel da Providência, de Madame Lagarde, na rua do Comércio, que dispunha de bilhares.

O médico alemão Roberto Avé-Lallemant, de passagem por São Paulo em 1858, hospedou-se num hotel no Pátio do Colégio. Escreveu, no livro “Viagem pelo Sul do Brasil”: “Tudo, nessa praça, parece monacalmente velho e impressão semelhante me deu toda São Paulo”.

Pouco antes disso, em 1855, o missionário metodista americano James Cooley Fletcher hospedou-se no “hotel do Senhor C”, o qual era um jovem brasileiro educado em Nova Friburgo, falava bem o inglês e contou nutrir vários projetos. O reverendo viu, nesse hotel, muitos estudantes jogando bilhar, na obra “O Brasil e os Brasileiros”, que escreveu com D.P. Kidder. Nada obstante, afirmou também: “Senti um mais profundo respeito por São Paulo do que por qualquer cidade sul-americana que tenha visitado. Meu sentimento de respeito, todavia, não se originava do tamanho da cidade, nem do seu pitoresco, mas de se notar um ar mais intelectual e menos comercial em seus habitantes. Há nada menos de quinhentos estudantes de direito na escola que aí funciona, cujo aspecto realmente evoca as escolas de direito dinamarquesas, da Universidade de Harvard e dos estudantes de Heidelberg. O gênero estudante é o mesmo no mundo – cheio de travessura, graça e malícia”.

Só duas livrarias atendiam aos acadêmicos do Largo de São Francisco. Uma na rua da Imperatriz, que passou a se chamar 15 de Novembro, de Bernardino José Dias Torres de Oliveira. A outra, mais popular, de José Fernandes de Souza, conhecido pelo apelido o “Pândega”.

Seus livros estavam em completa desordem. Quando sentia falta de um exemplar, não se agoniava. Limitava-se a desforrar na pele do primeiro freguês que aparecesse. Incluía no preço do livro o valor daquele que fora furtado.

Bem ao lado da livraria do “Pândega”, em fins de 1859 instalou-se um pequeno balcão, onde um amável francês vendia papeis para cartas, penas, lápis e objetos para escritório, além de exemplares avulsos da “Illustration” e do “Monde Illustré”. Seu responsável era Anatole Garraux, que depois instalou a famosa Casa Garraux.

Anatole Louis Garraux nasceu em Paris em 1833. Trabalhou na Livraria Garnier. Depois instalou sua livraria no Largo da Sé, esquina com a rua do Rosário. A Casa Garraux influenciou a vida e os costumes paulistanos. Ele publicou uma Bibliografia Brasileira em Paris, onde faleceu em 26.11.1904. Aqui em São Paulo, foi ele o introdutor do envelope. Antes disso, as cartas eram escritas em folha dupla de papel e a segunda era dobrada, capeando a correspondência e pregada com pequenas peças de metal.

Não faltavam a São Paulo, porém, as mundanas. Eram conhecidas a Antoninha Bela, a Mariquinhas Palmiteira, a Maria Antonia, as Capanemas, mãe e filha e a Cristina. Alberto Rangel, no seu livro “Dom Pedro Primeiro e a Marquesa de Santos”, conta que uma jovem e ardente cabocla natural de Sorocaba “alvoroçara na Capital de São Paulo a respeitáveis homens de bolsa e situação”. Era a famosa “Ritinha Sorocabana”. A “Bela Antonia”era amante do Brigadeiro Tobias e responsável por um elevado número de paixões e infidelidades conjugais à época.

Como é que se descreveria a São Paulo de 2023? Quem se arrisca a fazê-lo?

Publicado no Blog do Fausto Macedo
Em 07 09 2023



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