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ACREDITAR NA POLÍTICA
Acadêmico: José Renato Nalini
No Brasil antigo, há padrões de conduta política verdadeiramente edificantes. Um desses, o exemplo de vida de Armando de Salles Oliveira.

Acreditar na política

A política partidária, conforme praticada no Brasil recente, é um território polêmico. Tantas e tamanhas as vicissitudes, que as pessoas que muito têm a perder, em termos reputacionais, mas também patrimoniais, deixam de participar dos pleitos, receosos de potenciais e mais do que prováveis perdas.

Nem sempre foi assim. A política, para Aristóteles, seria a arte da coordenação da vida em sociedade. Para Platão, o governante deveria se o filósofo, profundo conhecedor da alma humana e de suas carências. E no Brasil antigo, há padrões de conduta política verdadeiramente edificantes. Um desses, o exemplo de vida de Armando de Salles Oliveira, que primeiro foi interventor e em seguida governador do Estado de São Paulo.

Seu “Credo Político” deveria servir de orientação para os jovens que sonham aprimorar a vida pública e concorrer a cargos eletivos, experiência democrática de que a cidadania participa a cada biênio.

Ainda que pareça algo insólito, mostra-se conveniente recordar o inteiro teor desse “Credo”, para evidenciar a confiança integral e a fé inabalável de Armando nas tradições e nos princípios liberais do povo brasileiro. Ei-lo, então:

“Creio que o povo brasileiro possui o instinto profundo do governo democrático e não se submete à sorte dos escravos voluntários.

Creio que o problema da nossa unidade é o nosso problema fundamental e que seria uma geração execrável a que deixasse que se fracionasse em suas mãos a pátria grande, herdada de seus pais.

Creio que o sistema federativo, com as suas raízes mergulhadas nas origens da formação nacional, é o que melhor resguardará a nossa unidade.

Creio que, na relatividade das instituições humanas, o princípio majoritário é ainda o melhor método de decisão política; que esse princípio só se pode fundar no voto popular, secreto e livre, nunca no plebiscito policial; e que a eficácia do método está em grande parte nas mãos dos governos, pois tudo se resume num problema de educação.

Creio que esse voto deve ser coordenado através dos partidos políticos e que o princípio democrático é inseparável da ideia de responsabilidade e fiscalização e, portanto, da ideia de oposição.

Creio que jamais a democracia brasileira será uma realidade se não se impedir que a organização partidária se fracione, não somente em partidos estaduais, mas ainda em absurdos partidos municipais; que a organização nacional dos partidos será a fonte do rejuvenescimento da vida democrática brasileira, e que só através dos partidos nacionais se corrigirão as desigualdades na importância política dos Estados e, por conseguinte, se robustecerá o ideal federativo.

Creio no instinto das autonomias locais, que se revelou em épocas afastadas da exigência do Brasil e que se fortaleceu sempre em todas as lutas da nacionalidade.

Creio na necessidade de um poder político forte, sobretudo na União, mas desde que seja exercido por governantes temporários, sob as vistas da representação popular.

Creio, porém, ao mesmo tempo, na necessidade de se manter a descentralização administrativa para acelerar a circulação do sangue em todo o organismo da Nação e evitar que a hipertrofia do centro gele as suas extremidades distantes.

Creio que a coesão nacional será alimentada com muito mais vigor pela cultura das peculiaridades do costume, das características de temperamento e das tradições de cada região, do que pela sistemática, artificial e precária tentativa de uniformização de todos os brasileiros.

Creio que só na liberdade o espírito do homem pode conservar a sua força criadora, e que a personalidade humana é inviolável.

Creio na cultura humanística, como o melhor instrumento de exercício da liberdade e do fortalecimento da coesão social.

Creio que há uma crise aguda do individualismo e que a palavra “liberalismo”, no seu sentido integral, talvez não sobreviva; mas que as críticas mais profundas que se fazem sobre essa crise são as de grandes espíritos, que ainda acreditam na liberdade; e que, em todo o caso, os remédios prescritos pelos contemptores da liberdade só produziram, por ora, guerras de conquista.

Creio na solidariedade e na cooperação sociais, como princípios inspiradores de qualquer organização dos nossos dias.

Ceio que, dentro do atual panorama do mundo, o problema brasileiro está posto em termos de sua independência. Acima de tudo, creio no Brasil. E esse Brasil é democrático”.

Qual o político que, em 2023, proferiria um Credo provido de tão enfáticas declarações de princípio?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 05 09 2023



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