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Acadêmico: José Renato Nalini E brincar? A criança consegue brincar como antigamente? Onde foram parar aquelas brincadeiras em grupo?
É preciso brincar mais Exige-se muito da criança. Com a melhor das intenções, alguns pais a sobrecarregam, a pressionam e a angustiam. Em nome da “socialização”, ainda bebês vão à escola. Quando aprendem a ler, é preciso também habilitá-las a falar inglês, alemão, mandarim, francês e italiano. Sem esquecer que existe um analfabetismo digital indesejável. Aprender a manejar bugigangas eletrônicas é com elas mesmas. Hoje se discute se o excesso de utilização dos celulares não as automatiza e faz com que desistam de pensar. E os mais preocupados não deixam de adverti-as de que é preciso aprender a cada dia mais, para não ser descartada. Criatividade, engenhosidade, empreendedorismo, domínio da informática, da eletrônica, da cibernética, não há limite para a imposição de compromissos. E brincar? A criança consegue brincar como antigamente? Onde foram parar aquelas brincadeiras em grupo? E a peteca, o ioiô, o pião, as bolinhas de gude? E o carrinho de rolimã? É preciso uma pausa na volúpia de um aprendizado visto como obrigação, dever, responsabilidade. É óbvio que a humanidade necessita de novas gerações adaptadas a uma tecnologia que torna tudo obsoleto, mal a novidade é entregue para o consumo. Cada criança tem o seu ritmo de aprendizado. A mestra que tiver paciência para reconhecer que alguns são mais rápidos, outros mais lentos, contribuirá para que todos possam chegar a um estágio adequado. Sem a pressa em diagnosticar autismo e outras desconformidades que não precisam ser rotuladas, mas que fazem parte da condição humana. Afinal, somos todos singulares, irrepetíveis, heterogêneos. Padronizar os humanos é um equívoco e, quase sempre, uma crueldade. Quanto à criatividade, é interessante verificar o que fazem aqueles que vivem dela. Por exemplo, a empresa de consultoria americana chamada “Play”. Verbete com vários sentidos, mas aqui empregado no sentido de brincar. Quem procura por seus serviços se surpreende. A ideia é mostrar que toda pessoa pode ser criativa e, consciente disso, saberá encontrar a solução para qualquer problema. Para despertar a criatividade, a “Play” recomenda que cada um olhe mais para o mundo, para a natureza, para todas as coisas. E que seja levado a pensar sobre tudo o que observa. Isso é chamado “Criatividade de Observação”. Quem presta atenção nas coisas vai encontrar nelas aspectos até então ignorados. Isso vale também para a observação de pessoas. Nós realmente prestamos atenção ao nosso próximo? Ouvimo-lo com paciência? Interessamo-nos de fato por ele? Lembramos do que ele nos disse, ou estamos naquela pressa de nada registrar, pensando no próximo compromisso, nas tarefas que se tem de fazer, no lufa-lufa da estressante vida contemporânea? Outra prática interessante é anotar aquilo que se passa por nossa mente. Em que pensamos quando não estamos a pensar em nada? Qual a ideia que nos acorre quando lemos algo, quando assistimos a um filme, quando recebemos a mensagem colorida e musicada no celular? Escrever memórias, tentar escrever redações – as descrições dos quadros que as mestras antigas nos mostravam – produzir contos, crônicas, ensaios. Para quem tem talento – ou quer adquiri-lo – escrever poemas. Isso tranquiliza. Parece que as anotações em um diário, ainda que sejam para nosso próprio deleite, recarregam nossas baterias de resiliência. À medida em que escrevemos, vamos nos liberando de uma carga de ansiedade e de preocupação. Outro exercício interessante é mudar a perspectiva de encarar os fatos. Imaginar-se outra pessoa, com outra profissão, em outro país. E tentar olhar o mundo com outros olhos. Por isso o interesse em conversar com as pessoas. Cumprimentar todas elas. Ser simpático para com todos os humanos de nossas relações, ainda que superficiais, formais ou esporádicas. Enfim, deixar de levar tudo a sério e com pessimismo. Ainda se possa responder que os angustiados não são pessimistas, mas é o mundo que anda péssimo, a negatividade parece um invólucro que nos envolve e que faz com que todos a pressintam. Cria-se um clima indesejável. Relaxar, rir, contar piadas, achar graça na vida. O mundo precisa brincar mais. E os adultos devem se convencer de que o brinquedo é essencial à formação integral da criança. Não diz a velha sabedoria, que aquele que não empinou papagaio aos dez anos, o fará aos cinquenta? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 27 08 2023 voltar |
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