|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Falta coragem ao homem público de atuar na condição de representante dos que o elegeram. Ele não é dono da estrutura estatal. É servidor transitório.
Como se livrar da incompetência É da crônica diária da mídia o embaraço de quem escolheu para um cargo em comissão uma pessoa que, no exercício da função, não se mostra capaz de se desincumbir com eficiência. O loteamento de cargos na política partidária profissionalizada gera não poucos prejuízos para a população. Preserva-se alguém pelo compromisso firmado com o partido. Para obter governança, é preciso se aliar com o desconhecido. Falta coragem ao homem público de atuar na condição de representante dos que o elegeram. Ele não é dono da estrutura estatal. É servidor transitório. Tem obrigação de fazê-la funcionar de forma a atender às expectativas da sociedade e de buscar a concretização do bem-comum. Para os medrosos ou oscilantes, seria interessante examinar como é que os grandes brasileiros, no passado, enfrentaram situação análoga. Penso em Lafayete Rodrigues Pereira, que, na condição de Presidente do Conselho de Ministros do Imperador Pedro II, teve de dispensar os préstimos do seu colega Ministro da Guerra, o conselheiro Rodrigues Júnior. Não hesitou. Escreveu-lhe uma carta de seguinte teor: “Excelentíssimo amigo e colega conselheiro Rodrigues Júnior: Peço licença a Vossa Excelência para dizer-lhe com franqueza, mas respeitosamente, que seria um ato acertado a sua retirada do ministério. Coube a Vossa Excelência uma pasta alheia aos seus estudos e hábitos; daí, força é confessar, tem resultado notável tibieza e falta de conveniente direção nos negócios da guerra. Peço mil desculpas por esta declaração, que para mim é tanto mais dolorosa quanto é elevada e sincera a estima que voto à pessoa de Vossa Excelência, em quem folgo de reconhecer um cidadão distinto e um correligionário digno de toda consideração. Tenho a honra de ser, com a maior estima, de Vossa Excelência amigo e colega, muito afetuoso e obrigado. (a) Lafayete Rodrigues Pereira. Rio, 29 de fevereiro de 1884?. Pense-se na celeuma que causou no Parlamento e no público, a divulgação dos termos dessa missiva. Os parlamentares da oposição se valeram do episódio para provocar o Presidente do Conselho de Ministros. Indagado sobre os motivos que tinham originado a carta, respondia: “Esse motivo está declarado na própria carta”. O próprio inquinado, o ministro da Guerra, insistia: ‘Decline Vossa Excelência um fato, diga qual foi o erro que cometi!”. E a resposta era: “A incapacidade não se prova com fatos”. Não desistia o ministro da Guerra de permanecer no cargo. Volta à tribuna e diz: “Essas expressões de Sua Excelência, atiradas assim vagamente, por si sós, nada provam”. A reação de Lafayete: “Eu deixo à consciência da Câmara julgar da procedência dos motivos que aleguei”. Rodrigues Júnior ficou ainda mais exacerbado e atacou: “O senhor Presidente do Conselho faltou à verdade, procedeu com deslealdade, com perfídia e com a dobrez de caráter, que é própria de Sua Excelência”. Só que o conselheiro Lafayete não era afeito a deixar, numa polêmica, a última palavra com o seu contendor. Para quem presenciou a cena, o ministro da Guerra pagou caro por aquela última agressão. Ao assumir a tribuna, Lafayete pronunciou a seguinte fala: “Não quero, nem devo, responder ao discurso do honrado deputado ex-ministro da Guerra. Já manifestei o meu pensamento a seu respeito. Entendi, era juízo meu, que Sua Excelência não tinha a aptidão necessária para gerir os negócios da guerra. É juízo meu e devo governar-me pela minha cabeça. Diante deste juízo convidei o nobre deputado a retirar-se do ministério. O nobre deputado é homem de espírito cheio de vacilações e de hesitações. Muitas vezes, diante de suas hesitações, convenci-me de que era realidade e não coisa imaginária a hipótese de Buridan”. Jean Buridan era filósofo francês do século XII. Para defender o livre-arbítrio contra o determinismo, imaginou a hipótese de um burro a padecer, no mesmo grau, de fome e sede. Colocado diante de um feixe de capim e de um balde d’água, que faria o burro? Era para sustentar a liberdade de preferência. A hesitação faria o burro morrer de fome. Como eram superiores os debates no Parlamento do Império! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 25 08 2023 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |