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O AVÔ DE MÁRIO
Acadêmico: José Renato Nalini
Parece que legou a seu neto, Mário Raul de Morais Andrade algumas qualidades de temperamento, o amor pela aventura e pelas viagens aos sertões do Brasil.

O avô de Mário

Pródiga a produção literária sobre Mário de Andrade, ícone da paulistanidade, alma da Semana de Arte Moderna de 1922. Mas pouco se fala sobre sua família. Qual foi a gente que gerou esse gênio de Piratininga?

É interessante examinar alguma coisa da vida de seu avô materno, Joaquim de Almeida Leite Morais, nascido em Porto Feliz, a 9 de maio de 1835. Levou, no batismo, o mesmo nome de seu pai, sem o “Júnior” ou “Filho” usualmente acrescido. Integrou a turma acadêmica de 1853-1857, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Descreve-o Almeida Nogueira como “alto, moreno, robusto, feições graúdas, rosto comprido, bem barbado e muito piloso. Belo talento e grande aplicação ao estudo. Uma das primeiras figuras do ano. Dispunha de uma voz grossa, de baixo profundo e experimentava dificuldade na pronúncia de certas vogais, o “r” forte, por exemplo. Substituía-o ele por “l”. Exatamente o inverso do que se dava com o Marquês de São Vicente”.

Sem prejuízo, dispunha de poderosos dotes oratórios, alavancados por ardente ambição de ser um bom orador. Que era de fato. Falava com fluência, com palavra colorida e calorosa, própria à eloquência acadêmica e dominada de autêntico entusiasmo.

Participou de várias revistas acadêmicas e produziu inúmeros artigos de Direito Criminal, inclusive sobre “A tentativa e o crime falho”. Ainda antes de sua colação de grau, foi eleito deputado suplente à Assembleia Provincial de São Paulo e, em 1858, foi chamado a tomar posse na vaga aberta pela morte de Gabriel Rodrigues dos Santos. Reeleito para o biênio seguinte, 1860-61, o foi também para os biênios 1868-69 e 1878-89.

Defendeu teses em 1860 e obteve o grau de doutor, com aprovação unânime nos dois escrutínios. Exerceu a advocacia com sucesso em várias comarcas de São Paulo e se estabeleceu em Araraquara, de onde o chamavam para causas criminais em toda a Província.

Passou a ser lente substituto da Faculdade de Direito, após concurso em que disputou com Rubino e Bulhões de Carvalho. Nomeado em 1878, em 1882 foi promovido a Catedrático de Direito Criminal.

Também foi nomeado Presidente de Goiás, em 29 de novembro de 1880. Conservou-se no governo daquela província até 9 de dezembro de 1881, administrando-a com zelo, justiça e elevação de vistas, atributos pouco habituais naquelas paragens à época.

Para voltar a São Paulo, subiu até o Pará e desceu por via fluvial, navegando pelo Araguaia e o Tocantins. Foi o segundo presidente de Goiás que se aventurou a tão arriscada viagem. O primeiro foi Couto de Magalhães.

Na volta, parou no Rio de Janeiro e, quando era indagado sobre quando iria ao Paço, para o beija-mão do Imperador, respondia logo que não pretendia ir ao Paço. Embora lhe dissessem que era preciso ir, ele retrucava, já irritado, que era um homem livre e só fazia o que lhe apetecia. Quem ouvia, alimentava a certeza de que Leite Morais guardava algum ressentimento do Imperador. Mas quando recebeu a visita de um ministro do Império, trazendo recado do Imperador, de que estava ansioso por vê-lo e ouvi-lo sobre a sua administração em Goiás e a respeito da viagem que fizera, o Dr. Leite Morais foi pressuroso ao Paço de São Cristóvão, quebrando todas as promessas que fizera.

Em São Paulo continuou a exercer a advocacia, com banca muito concorrida, praticou o jornalismo e o magistério. Nunca se afastou da política liberal, da qual era um ativo integrante.

Namorava com o republicanismo, porém não se declarava. E assim a República chegou, sem saber se ele a admirava ou não.

Faleceu em São Paulo, a 1º de agosto de 1895. Parece que legou a seu neto, Mário Raul de Morais Andrade algumas qualidades de temperamento, o amor pela aventura e pelas viagens aos sertões do Brasil. Quem se propuser a estudar as leis do atavismo poderá detectar identidades de escolhas entre avô e neto.

Por sinal que, na obra “Dicionário de Autores Paulistas”, de Luís Correia de Mello, há uma relação dos escritos de Joaquim de Almeida Leite Morais, dentre os quais os curiosos “Apontamentos de viagem de São Paulo à capital de Goiás, desta à do Pará, pelos rios Araguaia e Tocantins, e do Pará à Corte”. Foram escritos em 1882 e têm 274 páginas.

Avô e neto dados às aventuras, às viagens e aos escritos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 24 08 2023



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