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Acadêmico: José Renato Nalini Sugestão é comemorar o centenário da revolução de 1924, um exemplo de reação corajosa da sociedade civil ante a covarde omissão do governo
2024: o que celebrar? Falta pouco para chegar 2024. O que se deve celebrar nesse ano? As eleições municipais? A sugestão é comemorar o centenário da revolução de julho de 1924, que é bem obscurecida, ante o legítimo entusiasmo em torno da Revolução Constitucionalista de 1932. Por que celebrar? Por uma série de razões. O episódio é um exemplo de reação corajosa da sociedade civil ante a covarde omissão do governo. A São Paulo do bandeirismo não hesitou em assumir o possível controle da situação caótica, diante da fuga do presidente do Estado – assim se chamava o governador à época – abandonando a população à sua própria sorte. Esta sorte foi perversa. Para combater os insurretos, que se opunham aos desmandos do governo Arthur Bernardes, as forças legalistas não hesitaram no ataque inclemente à cidade que nada tinha que ver com a revolta. O protagonismo de José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial, é motivo de orgulho para os paulistas. Ele estava em Campos do Jordão, onde costumava passar férias. Foi avisado por seu amigo Roberto Simonsen de que estourara um tiroteio na capital. Imediatamente, voltou e colocou-se à disposição do presidente Carlos de Campos para auxiliar no que fosse necessário. Ao contrário do governador, permaneceu em seu posto o prefeito Firmiano Pinto. Mas foi Macedo Soares quem conclamou a sociedade civil para impedir a continuidade dos saques, do vandalismo e da balbúrdia instaurada, assim que militares revoltosos, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, sublevaram-se para exigir compostura do governo federal. Enquanto isso, as “forças legalistas” do presidente Arthur Bernardes continuaram a bombardear São Paulo a esmo, atingindo templos, escolas, teatros, empresas ou residências e matando inocentes. Por incrível que possa parecer, os revolucionários se portaram melhor do que os governistas. A insurreição não era paulista. Mas foi a gente paulista que morreu, inerme e desamparada, no confronto armado que durou 20 dias, mas que causou inúmeras mortes. Um inventário impreciso, por mera aproximação, só foi viabilizado pelo relato da proprietária da funerária, a família Rodovalho, que não hesitou em sepultar todas as vítimas, independentemente da satisfação das despesas com os enterros. A fuga do governador deixou acéfalas as repartições estaduais. Foi a iniciativa heroica e destemida de José Carlos de Macedo Soares, do arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, do prefeito Firmiano Pinto e de cidadãos de bem, sensíveis à má sorte dos mais carentes, que permitiu a continuidade mínima dos serviços essenciais. Organizou-se uma Guarda Municipal e um Corpo de Bombeiros à base do voluntariado. Gente de Piratininga nunca fugiu à sua responsabilidade social. A Igreja se mostrou solidária. Todos os templos foram abertos para abrigar os que tiveram suas casas destruídas. O Mosteiro de São Bento se converteu em hospital. O vigário da Consolação recolheu milhares em sua casa paroquial, alimentou-os e os vestiu, assim como o Padre Péricles, nas Perdizes, um dos únicos bairros não bombardeados. Isidoro Dias Lopes se mostrou mais sensível à situação dos atingidos pela luta fratricida do que o governo federal. Instado a aceitar o cessar-fogo, o nefasto ministro da Guerra, Marechal Setembrino de Carvalho, respondeu que não se comprometeria com isso. Ainda foi irônico em relação a São Paulo, dizendo que os danos materiais seriam de fácil reparação, ainda mais para uma população rica e laboriosa como a paulista. Já os danos morais eram insuscetíveis de restauração. Singular o seu conceito de dano moral. Pior ainda, fez com que seus aviões espalhassem boletins por toda a cidade, recomendando aos paulistas que deixassem suas casas e fossem para longe da capital, pois esta mereceria, dentro em poucos dias, intensas cargas de granadas e bombas mortíferas. A população ficou em pânico, pois as principais saídas da capital, seja para o interior, em direção a Jundiaí e Campinas, ou para o litoral, estavam bloqueadas pelas forças legalistas. O pavor fez com que a sociedade civil organizada recorresse ao líder da revolução, o general Isidoro Dias Lopes, que preferiu deixar a capital com suas tropas, desistindo do confronto, para evitar a carnificina pretendida pelo marechal Setembrino. Quando as tropas federais ocuparam São Paulo, após a partida dos rebeldes, foram recebidas com singular frieza pela população que permaneceu em suas casas. Exatamente como se recebe o invasor inimigo que venceu a batalha. Poucas vezes São Paulo assistiu a protagonismo cívico de tamanha relevância como o registrado em 1924. Era um preparo em direção a 1932, quando postulações idênticas às dos revoltosos de 1924 fizeram o paulista ir à luta e derramar seu sangue por amor à democracia? Que lições se podem extrair de tais epopeias? Existe hoje a mais remota chance de atuação uníssona desta ficção chamada sociedade civil? Publicado no jornal O Estado de S.Paulo/Espaço Aberto Em 23 08 2023 voltar |
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