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BRAZ, BELENZINHO E MOOCA
Acadêmico: José Renato Nalini
Foram os bairros mais afetados pela insurreição militar de julho de 1924, que no próximo ano completará um século

Braz, Belenzinho e Mooca

Foram os bairros mais afetados pela insurreição militar de julho de 1924, que no próximo ano completará um século e sobre a qual ainda há muito a ser dito.

José Carlos de Macedo Soares, a figura mais expressiva da reação que a sociedade civil demonstrou durante o conflito, descreve que esses locais "começaram a sofrer um bombardeio cada vez mais cerrado e violento, acompanhado de intensa fuzilaria, sob o qual estremeciam de pavor as populações respectivas. Travavam-se em suas ruas combates intermináveis, num tiroteio mortífero sobretudo para os civis, contínuo, irritante, monótono, de carabinas e metralhadoras a trabalhar sem descanso. Acompanhava-as, num coro pontilhado, o estouro dos obuses e das granadas de todos os calibres, que varavam às vezes várias casas pobres, numa só enfiada, matando, ferindo, destruindo, apavorando. Não lhe puderam suportar a violência os moradores dessas zonas mais assoladas. Tomados de justificado pânico ao espetáculo de uma mortandade crescentemente impiedosa e inútil, abandonavam, aos grupos, as habitações, levando às costas ou em pequenos veículos, atabalhoadamente carregados, alguns objetos de maior estima ou de mais urgente necessidade, e se retiravam, ao Deus dará, sem ordem, sem calma e sem destino, em busca de um abrigo incerto".

Macedo Soares, como Presidente da Associação Comercial, distribuiu um boletim ao povo, pedindo que "os habitantes desta generosa cidade" recebessem em suas casas, "na medida de suas forças, as mulheres, velhos e crianças desamparadas". Conclamou os compatriotas da Liga Nacionalista e as beneméritas Conferências de São Vicente de Paulo e os homens bons da cidade, "para que se encarreguem da colocação dessa pobre gente".

Igual conclamação foi emitida pelo Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, dirigida aos católicos em geral: "aconselhamos ao clero, às instituições religiosas e aos nossos caríssimos diocesanos em geral, a prática da caridade para com os necessitados sem distinção de espécie alguma, consoante o exigirem e permitirem as circunstâncias".

Em concreto, o arcebispo franqueou as igrejas, transformando-as em abrigos populares. Cedeu, para abertura de hospitais, conventos, escolas e casas paroquiais. Para alimentar o exército dos retirantes, cem vezes mais numeroso do que o dos combatentes, instituiu um projeto de "comidas públicas". De igual forma, os monges de São Bento, com Dom Amaro van Emelen e D. Miguel Kruse, buscavam os feridos e os carregavam para o hospital que o Mosteiro improvisara dentro de suas dependências. Na Paróquia da Consolação, o Vigário Cônego Francisco Bastos transformou sua casa paroquial em grande abrigo, onde chegou a receber milhares de necessitados, alimentando-os, vestindo-os, confortando-os. Nas Perdizes, o Cônego Péricles Barbosa igualmente recolheu e protegeu, moral e materialmente, outros milhares de desconhecidos de todas as classes sociais, que ali se refugiavam por ter sido um dos poucos lugares da cidade jamais atingidos pelas granadas.

A Liga Nacionalista, que nasceu dentro da São Francisco, protestou e reprovou com energia o ato de rebeldia de alguns soldados brasileiros, a perturbar a ordem pública e a vida econômica do Estado de São Paulo, matando velhos, mulheres e crianças com bombardeio injustificável e desumano. E igualmente protestou contra idêntico meio de combate usado pelas forças legalistas, com sacrifício de vidas de mulheres, crianças e pessoas totalmente alheias à luta política.

Talvez por causa dessa atuação, o Presidente Arthur da Silva Bernardes, pelo Decreto 16543, de 7.8.1924, fechou, por seis meses, a Liga Nacionalista de São Paulo.

Dom Duarte enviou ao Presidente da República um pedido de "intervenção caridosa" para fazer cessar bombardeio contra inerme cidade de São Paulo. Sobrevém a nefasta missiva do Marechal Setembrino, Ministro da Guerra, no sentido de que não era possível assumir compromisso nesse sentido. "Não podemos fazer a guerra tolhidos do dever de não nos servirmos da artilharia contra o inimigo, que se aproveitaria dessa circunstância para prolongar sua resistência, causando-nos prejuízos incomparavelmente mais graves do que os danos do bombardeio. Os danos materiais de um bombardeio podem ser facilmente reparados, maiormente quando se trata de uma cidade servida pela fecunda atividade de um povo laborioso. Mas os prejuízos morais, esses não são suscetíveis de reparação".

É incrível, mas um Ministro da Guerra da República do Brasil ousou escrever tal mensagem: causar danos materiais era pouco para a São Paulo rica. Nosso Estado engoliu mais essa injustiça, de sabor amargo e intragável.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 20 08 2023



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