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Acadêmico: José Renato Nalini Os juízes não se curvam a qualquer vontade externa à sua consciência.
A Justiça das paixões O ideal de justiça requer imparcialidade absoluta por parte do julgador. Como se os humanos fossem capazes de integral neutralidade ante um fato da vida. Sem a interferência de preconceitos, pré-compreensões, inclinações intuitivas, influência de simpatias ou consolidadas ojerizas. A história registra um episódio emblemático de justiça praticada sob o domínio das paixões e de seus ímpetos. Em França, durante o reinado de Luiz XIII, valeram-se os intrigantes que impregnam todas as cortes das discórdias entre Maria de Medicis e o Cardeal Richelieu. Os conspiradores se aproveitavam da dissidência para dominar o monarca e dispor dos negócios do reino para atendimento prioritário de seus interesses. Maria de Medicis era mãe de Luiz XIII. Célebre por seu caráter violento, língua solta, orgulho excessivo, pouco inteligente. Precioso instrumento manipulado pelos inimigos do Cardeal ministro. O Rei teve de fazer uma opção entre sua mãe e o seu homem-forte. Isso é conhecido na História da França como "jornada dos enganados". Isso porque a Rainha se considerou vencedora e Richelieu acreditou-se vencido. Ambos se equivocaram. Luiz XIII reuniu ambos - Maria de Medicis e Richelieu - no Palácio de Luxemburgo. Ouviu as respectivas explicações. A mãe, intransigente em sua cólera e o ministro, quebrado em sua resistência. Isto posto, o rei foi para Versalhes, enquanto a Rainha e seu séquito comemoravam a vitória e a queda de Richelieu. Em Versalhes, o rei tomou decisões que inverteram o êxito da jornada. De tal modo que, a partir daí, passou a inexistir outra vontade na Corte de França, que não fosse a do Rei. Um absolutismo que deveria perdurar por quase dois séculos. Entre os amigos da Rainha Maria de Medicis, o primeiro atingido foi Miguel de Marillac, guarda dos selos. Uma vez preso, o rei pensou no irmão dele, Luiz de Marillac, Marechal de França, que comandava o exército real em campanha na Itália. O Marechal também era um dos amigos da Rainha e, simultaneamente, fidelíssimo ao Rei. Vivia em excelente entendimento com Richelieu. Fora designado de comum acordo entre Luiz XIII e Richelieu, para comandar sozinho a marcha do exército francês na Itália. Era um homem rude e de poucas luzes. Mas voluntarioso, enérgico e idolatrado por seus soldados. Ele se encontrava fora do reino, a comandar um exército composto por homens por ele recrutados na sua província. Dispunha de enorme e influente parentela em todos os graus da hierarquia militar. Quando fosse surpreendido pelos acontecimentos políticos na Corte poderia não se conformar com eles. Por isso, Luiz XIII não vacilou. Ordenou a Schomberg que, no campo de Folizzo, com todas as precauções, prendesse o Marechal de Marillac. O prisioneiro foi transportado para Saint-Menehould e, em seguida, para o castelo de Rueil. Tiveram início os seus bizarros processos. Um Marechal de França, comandando um exército de operações, fora preso por ordem do rei. Como este justificaria, perante o mundo, o acerto de tão grave decisão? Instaurou-se um processo sem acusação. Mas todos sabiam que, nesse processo, o réu já estava condenado. A família do Marechal procurava comover o coração do monarca. Mas Luiz XIII respondia que "precisava justificar o seu ato". Encontrou um pretexto: quando governador de Verdun, teria sido responsável por um hipotético peculato: desvio de feno e madeiras. Delito que, praticado por um lacaio, não comportaria sequer a pena de açoites. Para condená-lo, foi necessário demitir e substituir juízes, nomeados os amigos certos e elevar o número de membros do Tribunal, tudo para satisfazer a vontade real. Simplificou-se o processo para garantir a decisão contra o réu. Um dos juízes, em transe de consciência, na véspera do julgamento, quis saber de Richelieu "se o rei não ficaria satisfeito se fosse o Marechal condenado a pena mais suave". Richelieu dirigiu-se então diretamente aos juízes vacilantes ou recalcitrantes. Cumprissem a vontade do rei. Esta era poder absoluto. A essa altura, a intriga cortesã já estava desfeita e Maria de Medicis no exílio. Mas o rei condenara o Marechal e não haveria forças capazes de absolve-lo. No dia 10 de maio de 1632, o Marechal de Marillac foi decapitado em Pris, na praça de Grève. Ainda bem que isso não existe mais. Os juízes não se curvam a qualquer vontade externa à sua consciência. Decidem de acordo com a lei e com as incontestáveis provas dos autos. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 18 08 2023 voltar |
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