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Acadêmico: José Renato Nalini O bombardeio de julho de 1924 demoliu e matou impunemente em São Paulo. Semeou o pânico. Provocou cenas intensas de horror e sofrimento.
São Paulo e o bombardeio terrificante Quando ainda se podia falar de guerra convencional, não de guerra nuclear ou guerra cibernética, distinguia-se entre bombardeio de ocupação e bombardeio de destruição. O primeiro tem por finalidade facilitar a tomada do território adversário. Precisaria ser antecedido de notificação prévia às autoridades inimigas, de acordo com o artigo 27 da Convenção de Haia de 1907. Medidas necessárias obrigatórias deveriam ser tomadas para poupar edifícios consagrados aos cultos, às artes, às ciências, à beneficência, os monumentos históricos, os hospitais, os asilos e as escolas. São Paulo foi cruelmente bombardeada em 1924 e não foi o bombardeio de ocupação. Não houve aviso prévio, não se observou a vedação convencionada. Teria havido, portanto, um bombardeio de destruição. Seu único objetivo é enfraquecer o inimigo pela destruição de tudo o que possa representar um valor militar: fortes, quartéis, depósitos de víveres e de munições, etc. Suas finalidades o fazem prescindir de notificação prévia. Só que o bombardeio de destruição paulista de 1924 foi muito mais gravoso do que a sua descrição teórica. As granadas não foram dirigidas contra as posições ocupadas pelos revolucionários ou contra seus recursos militares. Eram distribuídas a esmo, por toda a cidade e atingiram quase duas mil casas e edifícios, entre os quais: o Colégio Santo Agostinho, o Recolhimento da Esperança, a Fábrica Melillo, todos no bairro da Consolação, onde não havia um único soldado revolucionário. Caíram sobre o Teatro São Paulo, o Colégio Anglo-Brasileiro, o Orfanato Ana Rosa, Igrejas e fábricas da Liberdade e da Vila Mariana, onde só havia fragilíssimas trincheiras formadas com paralelepípedos em alguns cantos de poucas ruas. Quase todos os bairros da capital foram alvo de granadas das forças legais. Isso leva à conclusão de que a cidade de São Paulo, que nada tinha a ver com a revolta liderada pelo General Isidoro Dias Lopes e pelo Major Miguel Couto, foi alvo de um bombardeio qualificado como terrificante. Ele é preconizado por alguns escritores alemães e descrito como ação voltada direta e intencionalmente sobre a parte da cidade ocupada pela população civil, com o propósito de apavorar os habitantes e a levá-los a forçar o comandante militar a entregar a praça aos atacantes. O célebre jurista alemão Bluntschli abomina essa espécie de bombardeio, dizendo: "Esta pressão psicológica é inteiramente imoral". O francês Foignet o considera "indigno de um povo civilizado". Vulnera os mais elementares princípios dos direitos de Justiça e do sentido que se atribui à humanidade. A doutrina deve rechaçar com indignação essas vulnerações à honra e dignidade humanas. Constituem um sistema de prática de pura barbárie. Adotam a tática do massacre de pessoas que não têm possibilidade de se defender e permitem ao agressor fugir dos rigores da lei marcial. Toda violência dirigida contra pessoas civis e inofensivas é um crime do ponto de vista do direito das gentes e agridem a consciência de um povo civilizado. O bombardeio que vitimou São Paulo durante dezesseis dias, no mês de julho de 1924 foi, portanto, terrificante. Imoral, como diz Bluntschli, indigno de um povo civilizado, na lição de Foignet. Injusto, para o senso comum. Desumano e inútil, na consciência de todas as pessoas de bem. O mais triste é que esse bombardeio foi ordenado pelo governo federal, então sob comando do Presidente Arthur Bernardes, cujo malévolo Ministro da Guerra, o nefasto Marechal Setembrino, foi de uma atitude bizarra, não fora até criminosa. Recusou-se a cessar fogo, argumentando com a riqueza e a laboriosidade de São Paulo para recuperar o patrimônio material destruído pelas bombas arremessadas dos aviões federais. Em seguida, determinou a evacuação da cidade por parte da população que resistia, heroicamente, à carnificina que a vitimou sem a mínima participação no movimento rebelde. Só que as rotas de fuga estavam bloqueadas, exatamente pelas forças legalistas, sob as ordens do mesmo nocivo Setembrino. Atrocidades cometidas pelo governo federal são as mais dolorosas. Pois um governo existe para garantir paz e não intervir, senão no mínimo necessário, na vida comum dos cidadãos, dos quais é servidor e não patrão. O bombardeio terrificante demoliu e matou impunemente em São Paulo. Semeou o pânico. Provocou cenas intensas de horror e sofrimento. Causou prejuízos morais e materiais de toda ordem. Não pode ser esquecido, mas registrado para que se não repita. Daí a necessidade de se celebrar o movimento sangrento de julho de 1924, que no próximo ano completará seu centenário. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 17 08 2023 voltar |
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