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Acadêmico: José Renato Nalini Não se tem concedido à Revolução Paulista de 1924, idêntica atenção à Revolução Constitucionalista de 1932.
Utopias tupiniquins Não se tem concedido à Revolução Paulista de 1924, idêntica atenção à conferida ao movimento armado em prol da reconstitucionalização do Brasil, deflagrado em 9 de julho de 1932. É preciso mergulhar na história que no próximo ano completará seu centenário, para bem aquilatar o que significou esse episódio em nossa trajetória. São Paulo foi surpreendida pela insurreição militar comandada pelo General Isidoro Dias Lopes, contra o Presidente Arthur Bernardes. Cem anos depois, a leitura que se faz é a de que os revoltosos se portaram com maior dignidade do que o governo. Quando José Carlos de Macedo Soares intermediou um armistício, valendo-se do bom contato que mantinha com o General Abílio de Noronha, Comandante da Região Militar paulista e do acesso que conseguiu junto ao General Isidoro, este estabeleceu as condições do cessar fogo. Quando se lê o elenco das exigências, vê-se que um século atrás, o interesse dos patriotas de então era praticamente o mesmo de nossos dias. À exceção da primeira condição - entrega imediata do governo da União a um provisório, composto de nomes nacionais de reconhecida probidade, como o de Wenceslau Braz - as demais têm consistência ainda hoje. Por exemplo: convocação de uma Constituinte que manteria, obrigatoriamente, a forma de governo republicana federativa; manutenção das fronteiras dos Estados quanto a interesses regionais, com possível redução do número de unidades da Federação, a fim de torna-las mais equilibradas. Separação da Igreja e do Estado, com liberdade religiosa e defesa da maioria católica nos seus direitos constitucionais, contra a intolerância da irreligiosidade. Somente a Justiça conhecerá da constitucionalidade dos atos legislativos. Proibição de impostos interestaduais. Preservação da declaração de direitos, não se admitindo modificação, salvo se for ampliativa. Há um século já se pretendia vedar a reeleição do Presidente da República e dos governadores, assim como dos deputados federais e estaduais e senadores, salvo se alcançassem o sufrágio de dois terços do eleitorado comparecente. Desde então já se propunha que, nas relações internacionais, se mantivesse a política tradicional do Brasil de obter soluções consensuais. Manutenção rigorosa dos compromissos da União com os Estados e Municípios. Obrigatoriedade do voto secreto, unificação da Magistratura e do processo e reformas tributária e aduaneira, com proibição de participação dos agentes fiscais e alfandegários no produto das multas e apreensões. Eram condições inspiradas pelo amor à democracia, algo que nem sempre existiu no Brasil e ainda hoje tal carência é manifesta. Por óbvio, o General Abílio de Noronha se recusou a apresentar o rol de exigências ao seu Ministro da Guerra, o nefasto Setembrino. Sim, pois enquanto o General Isidoro Dias Lopes atendia a postulações da sociedade civil, representada por Macedo Soares, o Marechal Setembrino de Carvalho, em 26 de julho de 1924, fazia distribuir, pelos aviões da FAB, um boletim de seguinte teor: "À população de São Paulo: As tropas legais precisam agir com liberdade contra os sediciosos, que se obstinam em combater sob a proteção moral da população civil, cujo doloroso sacrifício nos cumpre evitar. Faço à nobre e laboriosa população de São Paulo apelo para que abandone a cidade, deixando os rebeldes entregues à sua própria sorte. É esta uma dura necessidade que urge aceitar como imperiosa, para por termo, de vez, ao estado de coisas criado por essa sedição que avilta os nossos créditos de povo culto. Espero que todos atendam a esse apelo, como é preciso, para se pouparem aos efeitos das operações militares, que, em poucos dias, serão executadas". Não é difícil imaginar o que isso causou sobre a população que ainda estava em São Paulo. Dos setecentos mil habitantes da capital, mais de trezentos mil já haviam fugido. Mas restavam ainda cerca de quatrocentos mil. Entraram em polvorosa. Pois muitos não tinham para onde ir. E, paradoxalmente, o mesmo governo que ordenava a evacuação de São Paulo, bloqueava as estradas com seus furiosos combatentes, que atiravam em qualquer pessoa que se aproximasse de suas trincheiras. Desespero e caos era pouco para descrever o trauma imposto pela insanidade da cúpula federal. O General Isidoro Dias Lopes, diante de tamanha insensatez, resolveu deixar a capital, até para que o restante da população não padecesse mais. Ele oficiou para o Cônsul da Inglaterra, comunicando que se a artilharia legalista não abrisse fogo naquela noite, nada teria a cidade a temer, pois dentro de 24 horas, daria solução satisfatória. A população poderia ficar tranquila, porque não seria mais bombardeada. Com a partida dos revolucionários, a cidade de São Paulo foi ocupada pelas forças e autoridades legalistas, acolhidas pela população com a frieza com que se recebem tropas inimigas vencedoras. São Paulo estava acostumada a merecer o desprezo que depois foi ratificado e intensificado oito anos depois. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 15 08 2023 voltar |
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