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Acadêmico: José Renato Nalini Se fôssemos recorrer à estatística, a viuvez é uma característica feminina. Homens morrem mais.
A dor da viuvez Se fôssemos recorrer à estatística, a viuvez é uma característica feminina. Homens morrem mais. Por inúmeras razões. Uma delas, que parece prevalecer nos estudos médicos, é o de que mulher cuida mais da saúde do que o homem. Mas a regra aparente é eivada de exceções. Há viúvos que se tornam célebres pelo prolongado culto à falecida. Uma dessas exceções é a viuvez de Altino Arantes, homem público de reconhecidos méritos, que governou São Paulo entre 1916 e 1920. Ele se casou em 1899, em Franca. Sua esposa, Maria Teodora de Andrade Junqueira, faleceu em São Paulo, em 12 de março de 1915. Deixou órfãos seus filhos Maria Stella e Paulo Francisco. Essa perda foi imensamente lamentada ao longo do "Diário Íntimo" que Altino escreveu durante seu governo bandeirante. Posteriormente, em 24 de maio de 1919, Altino Arantes contrairia núpcias com Gabriela da Cunha Diniz Junqueira, filha do Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, o famoso "Quinzinho", que comandava a política estadual na região de Ribeirão Preto. Deste segundo consórcio, nasceram mais dois filhos: Maria Bernadete e Joaquim Victor Junqueira Arantes. As anotações de Altino Arantes sobre o seu período de governo em São Paulo são repletas de menção às saudades do viúvo. Logo no início, ele escreve que essas notas íntimas são destinadas "à destruição pelo fogo purificador, no periódico auto de fé das caixas velhas e imprestáveis. Um só deles guardo ainda, no meu cofre, junto das modestas joias da minha querida morta. Não o consumi porque foi escrito expressamente para ela, durante os dias de sua última viagem ao interior. Intitulei-o, por isso, numa dolorosa antevisão do meu destino, "Soledade". E foi ela própria que, terminada a sua leitura, em Batatais, disse-me, sorridente e quase vaidosa: "É o mais precioso presente, que tenho recebido de tuas mãos; não o rasgarei, como pedis; guardá-lo-ei, sim, entre as minhas joias". Estou, pois, cumprindo neste particular um voto da Maria..." Não há dia em que ele não faça referência à mulher, tão jovem desaparecida. "Mas quanto me dói que à inesquecível companheira dos melhores quinze anos da minha existência, que a minha fiel e doce Maria não esteja ao meu lado para compartilhar do meu triunfo! Ela, que só pensava e sentia através do meu sentir e do meu pensar! Ela que exultava nas minhas alegrias e chorava nos meus pesares! Ela que, mais que ninguém, confiava na minha capacidade e antevia os sucessos de minha carreira! Sua frequência a visitar o túmulo da esposa é impressionante: "É sexta-feira e, por isso, ao recolher-me para casa, passo pelo Cemitério para fazer a minha costumeira visita semanal à minha querida Morta" (5.5.16). "Pela manhã, missa no Cemitério do Carmo ouvida por mim e pela Maria Stella. Depositei na sepultura da Maria a corbelha de flores, que recebera na véspera" (12.5.16). Também evidencia sua prática religiosa assídua e convicta: "Festa de Nossa Senhora Auxiliadora, título de particular devoção minha e da Maria. Quantas vezes, mãos entrelaçadas, murmuramos juntos a jaculatória - Auxilium christianorum, ora pro nobis! Ainda agora, repito-a eu, todas as noites, mas sozinho na minha eterna mágoa, diante de um retrato cujos lábios se não entreabrem para responder a minha invocação, cujos olhos não agradecem os meus carinhos!". (24.5.16) Todos os seus passos eram marcados pelas saudades: "Por instâncias do Cardoso, vou partir para o Guarujá, onde conto passar dois dias. De caminho para a Estação da Luz, visito a sepultura da Maria" (23.6.16) Altino Arantes, apesar dos compromissos de governo, sempre encontrava tempo para uma visita à necrópole. "De regresso para casa, às quatro horas, fui deixar no Cemitério dois ramalhetes de flores da decoração do Palácio: homenagem devida a quem deveria partilhar da minha satisfação na solenidade de hoje" (14.7.16). Invocava a memória da mulher para tudo em sua vida. Quando se mudou para a nova sede do governo, anota: "...ativam-se os preparativos para a nossa mudança definitiva para os Campos Elíseos. Esvaziam-se os guarda-roupas, desmancham-se móveis, removem-se quadros e, como mensageiro de paz e de bençãos, lá se vai, antecipando-se a nós, o grande retrato da Maria Theodora. Ela, com certeza, continuará a velar pelos entes que tanto amou em vida..." (18.7.16). A par da correção na gestão da coisa pública, Altino Arantes deixa este legado: amor incondicional à sua eleita, mãe de seus filhos, de quem nunca se esqueceu. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 13 08 2023 voltar |
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