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O CHORO DE DEUS
Acadêmico: Gabriel Chalita
Sinto que Deus chora ao ver tantos filhos seus plenos do direito do julgar e ausentes do movimento do amar.

O choro de Deus


Já começo estendendo as minhas explicações.

Não sou das teologias, não sou dos estudos profundos do que chamam ontologia. Descobri, há pouco,  essa palavra que significa essência. Não é um dizer sobre a essência de Deus, mas sobre o choro de Deus. Os mais entendidos dirão, Deus não chora, Deus é perfeito. Eu, que pouco sei e que muito pergunto, pergunto: chorar é desmentir a perfeição? Chorar é um verbo dos imperfeitos?

Tento alguma explicação.

Chorar é uma delicadeza dos sentimentos. É um emprestar que os olhos oferecem à alma para seus alívios. É um poetizar da arte de viver.

Deus vive. E Deus vive em mim. Não sei explicar. Sei sentir. Sinto Deus no correr do dia. Sinto Deus na ação e nas pausas. Sinto Deus na contemplação de sua obra, a linda natureza, e nos olhos de ver que tenho e que pensam metáforas, quando veem os verdes dos campos, o lamber as areias  das águas do mar, o voo livre dos pássaros que enfeitam o horizonte. 

Sinto Deus nas flores que perfumam a vida, na criança sorridente ao vencer os tempos do engatinhar, ao iniciar os seus caminhos. Sinto Deus em um abraço de amor, em um pedido de perdão, em uma reconciliação dentro ou fora da gente. Sinto Deus no sorriso de mãe, ou de pai, ou de um amor amando. Sinto Deus no vento que alivia o calor e no calor que espanta o frio. Sinto Deus no caminhar por entre as gentes e pelas gentes que não desistem de caminhar. 

E sinto que Deus chora. Talvez, sinta por mim. Pela centelha de Deus que mora dentro do que de mais bonito mora em mim.
Sinto que Deus chora com o riso falso dos perversos, dos dissimulados, dos traidores, dos soberbos, dos que exercem a profissão de destruir a felicidade alheia.

Sinto que Deus chora nas misérias, nos filhos seus que são desaparecidos das mentes de outros filhos. Sinto que Deus chora com os que traficam órgãos humanos, com os que trancam o coração para os que mais precisam, com os que afundam as esperanças dos refugiados.

Sinto que Deus chora ao ver tantos filhos seus plenos do direito do julgar e ausentes do movimento do amar. Sinto que Deus chora, quando usam o seu nome para matar a vida ou a alma de alguém. Para jogar no mundo os seus preconceitos e para expulsar do mundo as alegrias de tantos que, por serem diferentes, demoram a encontrar algum encontro com esperança. Linda é a diferença! Cada um é um. Deus chora, quando choram os injustiçados, os humilhados, os desconvidados do banquete do viver.

A tal da ontologia humana é, na minha humilde opinião, semelhante à ontologia divina. Já li isso nos livros dos doutores das igrejas. O homem é imagem e semelhança de Deus. Já perguntei e já ouvi que a semelhança mais certa está na capacidade de amar. Deus chora, quando choram os que experimentam o desamor. O ódio não é parte da ontologia divina nem humana. É ausência. É inexistência do cuidado, filho do amor. É amor adoecido. E o remédio?

Não sou desacreditador da esperança. Sou ator. Vivo no palco da existência os papéis em que acredito. Já me chamaram de ingênuo, de utópico. Fui pesquisar essa palavra. Li coisas bonitas. Entendi que, sem o sonho, desapareço. Que, sem o sonho, as lágrimas deixam de ser ensinadoras de tempos melhores para se acomodarem no não-viver.

Quero prosseguir dizendo os textos que acalmam e que alimentam de futuro os irmãos meus que vivem no mesmo tempo que eu. Se posso sentir que Deus chora, posso sentir que Deus sorri. E é para conseguir o sorriso de Deus que quero viver. Fazendo o que eu sei fazer e fazendo do aprender minha condição de existir. Quero aprender com os que ontem, hoje e amanhã devolveram sorrisos a irmãos seus, a irmãos meus e sentiram o sorriso de Deus.

Enquanto escrevo, o dia está amanhecendo. O sol me explica que a luz agasalhante que ele oferece é, também, sorriso de Deus.

Enquanto escrevo, o dia está amanhecendo...também em mim.

Publicado no site do jornal O Dia
Em 06 08 2023



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