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Acadêmico: José Renato Nalini Retificamos os rios. Praticamos riocídios. Enterramos as nascentes e asfaltamos todos os espaços.
Não aprendemos nada Quando os jesuítas escolheram o Planalto para fundar sua escola e dar origem à povoação, o fizeram também porque a região era bem servida de águas. Só que, àquela altura não se dispunha - como hoje é superabundante - a certeza de que água é imprescindível à vida. Pode-se viver sem petróleo, mas não se vive sem água. Por isso é que o abastecimento de água nunca primou por verdadeira ciência. Tudo de forma amadorística e, na maior parte das vezes, errada. Já no século XIX, trezentos anos depois da fundação de São Paulo, se pensava em trazer água da Cantareira para o centro. Mas essa canalização era chamada de "esperança fantástica". O estado financeiro da urbe não comportava a realização de obra tão dispendiosa, conforme incluiu em seu relatório o Presidente Francisco Inácio Marcondes Homem de Mello, depois Barão Homem de Mello. O suprimento de água potável para a população urbana de São Paulo já era uma questão secular. Como observa Affonso A. de Freitas, em "Reminiscências Paulistanas", "a freguesia da Sé era abastecida pelas nascentes do Anhangabaú, captadas no tanque de Santa Teresa e aduzidas para a Caixa d'Água da rua Cruz Preta, construída em 1860; para o chafariz do Largo da Misericórdia, construído e inaugurado em 1792 por ordem do capitão general Bernardo José de Lorena e para os dos largos do Pelourinho, de São Gonçalo, de São Francisco e de São Bento, mandados construir em 1864 pelo presidente Dr. Homem de Mello". Havia um chafariz chamado do Campo da Luz, onde hoje se encontra a Avenida Tiradentes e um denominado do "Piques", ambos derivados do encanamento geral das águas do tanque do Bexiga para o Jardim Público. Tão primitiva a engenharia à época, que tal serviço foi inaugurado em 1868 e já em 1876 os dois chafarizes estavam desmantelados e o leito do lago central do jardim completamente seco. É que os tubos empregados eram manufaturados de papelão revestido de asfalto. O líquido, asseverava o inspetor geral das obras públicas em relatório entregue em 30 de janeiro de 1869 ao Barão de Itaúna, então Presidente da Província, "rompia o chamado betume no espaço médio entre o tubo e os cabeços de ferro, devido à imperfeição e pouca vigilância empregada na oficina, estabelecida na antiga casa dos loucos". Eram esses chafarizes, mais a "bica de Baixo", localizada entre as ruas de Baixo - hoje Carlos Gomes - e a do Meio - hoje Rodrigo Silva - aduzida no Largo da Forca, atual Largo da Liberdade, forneciam aos paulistanos cerca de 336.000 litros de água. O faltante era retirado de cisternas abertas ao longo das margens do rio Tamanduateí e do córrego Lavapés e vendidas em pipas ambulantes, ao preço de quarenta réis o barril. Já àquela altura, São Paulo enfrentava secas. Uma das maiores teve lugar em 1866-1867. Como o Brasil estava em guerra contra o Paraguai, o presidente Tavares Bastos estava entretido na organização de batalhões e descuidou da questão da água. Disso se valeram os jornais paulistas, principalmente o "Diabo-Coxo" e o "Cabrião", que publicavam charges e críticas à gestão pública. Para fazer ironia, o "Diabo-Coxo" invocou a passagem bíblica do fornecimento de água aos israelitas no deserto e aconselhou aos sedentos paulistanos seguissem a mesma estratégia. Recomendou que todos tocassem os chafarizes de são Paulo com varas ou bengalas. Isso fez com que praticamente acabassem os chafarizes. Em 1817 já houvera outra grande seca. A mostrar que São Paulo está sempre sujeita à falta d'água. Nessa época o sempre lembrado Luiz Gama fazia sátiras contra os políticos: "Senhores do governo/que estais aí enxutos e quietos/na doce missão de zelar do povo;/vós que sois filhos, netos e bisnetos/de grandes patriotas/olhai para este inferno.- Mandai guardar a chuva que Deus dá/em vastos caldeirões/para pô-la depois nos chafarizes;/Senão, em vindo a seca, a maior parte/destas populações/há de atirar aos olhos e narizes/de Vossas Excelências/as suas respeitosas maldições". Continuamos a consolidar uma cidade para os automóveis. O trânsito medonho é o que merece mais atenção. Retificamos os rios. Praticamos riocídios. Enterramos as nascentes e asfaltamos todos os espaços. E depois reclamamos se a chuva ácida, quando ela vem, causa inundações. Quem não respeita a natureza, com certeza será desrespeitado por ela. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 05 08 2023 voltar |
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