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A INOLVIDÁVEL CARLOTA
Acadêmico: José Renato Nalini
Mulher de coragem, Carlota Pereira de Queiroz passou a atuar contra a ditadura de Vargas, pois com o golpe de 1937, perdeu o seu mandato parlamentar.

A inolvidável Carlota

Uma pequena praça nos Jardins, na capital, esconde modesto busto de bronze. Eterniza, de maneira insuficiente, de tão singela, uma personalidade que mereceria reverência maior: Carlota Pereira de Queiroz. Pertencia a majestosos troncos da nobiliarquia paulista, sendo neta, pelo lado paterno, de Manoel Elpídio Pereira de Queiroz, fazendeiro jundiaiense cuja biografia a neta escreveu, sob o título "Um fazendeiro paulista no século XIX". Essa obra foi prefaciada por Yan de Almeida Prado e apresentada por Vivaldo Coaracy.

O movimento feminista precisa redescobrir Carlota. Foi líder de setecentas mulheres na Revolução Constitucionalista de 1932 e a primeira mulher a exercer mandato legislativo no Brasil e na América Latina.

Participou da Assembleia Constituinte de 1934, indicada por uma chapa única paulista, foi deputada federal de 1935 a 1937, sempre defendendo em seus discursos maiores cuidados para com os problemas relativos à educação, à saúde, à mulher e à criança. Veja-se que seus temas eram os de hoje.

Formou-se pela Escola Normal "Caetano de Campos", hoje sede da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e depois cursou a Faculdade de Medicina bandeirante, transferindo-se para a Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, onde se formou em 1926. Doutorou-se com a tese "Estudos sobre o câncer". Destacou-se como pesquisadora com seu trabalho "As vantagens dos exames hematológicos e sua aplicação em medicina social", apresentado quando de sua eleição como integrante da Sociedade Paulista de Medicina e, posteriormente, da Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires. Foi a primeira mulher a conquistar essa posição.

Em 1950, foi agraciada pelo governo francês com a medalha da Legião de Honra e desde 1960, resolveu unir as mulheres médicas, fundando a ABMM - Associação Brasileira de Mulheres Médicas. Foi exatamente essa preocupação com a participação feminina que a levou a liderar as mais de setecentas mulheres em 1932 e a organizar um departamento de assistência aos feridos na Revolução Constitucionalista.

Quando São Paulo perdeu a luta fratricida, abandonado pelos Estados que haviam se comprometido a aderir na campanha contra a ditadura de Vargas e restaurar a ordem democrática para todo o país, Carlota trouxe para São Paulo vinte feridos paulistas que estavam no Hospital Militar do Rio de Janeiro. Internou-os na Santa Casa de Misericórdia de nosso Estado, local onde trabalhou, voluntariamente, por quase vinte anos.

Pesquisadora e devota da História de São Paulo, a educadora e médica escreveu, além do livro "Um fazendeiro paulista no século XIX", a obra "Vida e morte de um capitão-mor". Em ambos, reconstitui o desenvolvimento da sociedade rural e urbana do Estado de São Paulo.

Mulher de coragem, Carlota Pereira de Queiroz passou a atuar contra a ditadura de Vargas, pois com o golpe de 1937, perdeu o seu mandato parlamentar. Foi elemento de ligação entre Armando de Salles Oliveira, exilado em Buenos Aires e os demais correligionários que permaneceram no Brasil, sob a orientação e liderança do Brigadeiro Eduardo Gomes.

Os dois livros deixados por Carlota foram publicados pelo Conselho Estadual de Cultura, na Coleção História, organizada pela Comissão Estadual de Literatura, que se inaugurara com a pequena e clássica "História do Brasil", escrita pelo Barão do Rio Branco.

Muito original, a neta deixa falar os documentos, não em massa informe, porém - como é da boa regra na historiografia - "narrando-os". Faz um retrospecto genealógico da família e acrescenta como apêndice o relato da viagem que o avô Manoel Elpídio fez de Jundiaí ao Rio de Janeiro, com três camaradas, dois escravos e cinquenta mulas, entre março e abril de 1854. Caminhou a pé, por trinta e nove dias e anotou tudo o que observou pelo caminho.

Chegou à capital do Império em plena Semana Santa de 1854. Acompanhou as procissões do Enterro e da Ressurreição e participou do baile de máscaras no Teatro São Pedro, que possuía quatro andares de camarotes, estes em número de 126 e se impressionou com o lustre, de 140 lâmpadas.

Com a extinção da Imprensa Oficial, seria interessante que a Secretaria da Cultura assumisse o desafio de continuar a publicar livros de interesse de São Paulo, esta complexidade cosmopolita, que precisa ser mais conhecida de sua gente e dos que aqui são recebidos de forma acolhedora e até fidalga.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 31 07 2023



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