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Acadêmico: José Renato Nalini Se até Rui mostrou-se pusilânime e ambíguo em alguns momentos, incoerente em tantos outros, como reclamar absoluta coerência dos outros pobres mortais?
Ambiguidade de Rui Desde criança, nutri autêntica devoção a Rui Barbosa, o homem mais inteligente do Brasil. Até porque, minha família materna é Barbosa e eu alimentava a esperança de ser parente seu. Essa devoção ainda persiste, mas é preciso ter serenidade para reconhecer que os grandes homens nem sempre são imensos em todas as suas dimensões. É próprio da criatura humana ser falível. Até os maiores têm fissuras morais. O que não os torna desmerecedores de justificado louvor pelo conjunto da obra. Encontro em Afonso Arinos de Melo Franco, na biografia de Rodrigues Alves, material para refletir se Rui claudicou em algum momento, mercê de um equívoco na apreciação de um contexto ou até mesmo, o que se compreende, por uma questão de vaidade pessoal. Durante a revolta da vacina, em 1904, Rui Barbosa manteve-se numa atitude ao menos dúbia. Posicionou-se contra a obrigatoriedade de vacinação. Quando alguns parlamentares hostis a Rodrigues Alves insuflaram militares e, com ajuda da mídia, a população a se rebelar, Rui considerava um fato consumado a tomada do poder. O governo seria substituído por uma junta governativa de três membros, dois dos quais seriam os Generais Olímpio da Silveira e Travassos. Na verdade, Lauro Sodré e Alfredo Varela eram os principais líderes desse movimento revolucionário. Para frustração dos conspiradores, o presidente Rodrigues Alves conseguiu debelar o golpe. Lauro Sodré feriu-se e se abrigou em casa de amigos, escondendo-se até ser preso em um navio de guerra. Já o General Travassos, que se feriu gravemente, foi transportado ao Hospital Central do Exército, onde sua perna foi amputada e morreu no dia 22 de novembro de 1904, do choque operatório. Enterrado no dia seguinte, sem honras militares. Mas o traidor gaúcho Alfredo Varela estava sumido. Rui Barbosa foi procurar o Ministro Seabra e indagou a ele se não iria prender Varela. Então delatou o parlamentar, dizendo que ele se amoitara em casa do Conde Modesto Leal, na Fazenda da Serra. Seabra comunicou a delação ao Presidente Rodrigues Alves, mas este se recusou a mandar prender Varela. Disse que não faria isso a um vencido, já inofensivo. Apurou-se que o movimento de rebeldia, cujo pretexto era a vacinação obrigatória, não se resumira ao Rio de Janeiro. Na Bahia, dentro de um quartel do Exército, em Salvador, um amotinado tentou fazer com que a guarnição depusesse o comandante. Não conseguiu e foi morto. No Recife, a Imprensa era simpática à derrubada de Rodrigues Alves. Mas, quando este venceu, como sempre acontece no Brasil, viu restaurado o seu prestígio e recomposta a legião de áulicos que o cercavam e aplaudiam. Como observa Afonso Arinos, "vários daqueles órgãos e pessoas que se faziam porta-vozes de ataques, calúnias e vinganças contra o governo e o próprio presidente, apresentavam-se, agora, embandeirados em seu louvor". E aqui entra, de fato, a ambiguidade de Rui. Mais de um ano antes, em abril de 1903, quando se homenageava Pinheiro Machado com banquete no Hotel dos Estrangeiros, Rui fez um brinde ao Presidente Rodrigues Alves. Extrai-se de seu pronunciamento: "Não vendo as minhas armas nem abjuro uma linha dos meus princípios de liberdade e justiça, de legalidade e democracia, quando, na sinceridade de uma emoção nova, me aproximo de um governo para o qual me atrai uma impressão de patriotismo irresistível". Diretamente sobre a pessoa de Rodrigues Alves, afirmou: "Entendimento claro, espírito equilibrado, índole reta, consciência sã, alma patriótica". Rui Agradeceu, sensibilizado. Em resposta, Rui chega a se exprimir com ternura: "Peço a Deus que o ajude a confiar em si mesmo, e ouvir as inspirações do seu próprio espírito; porque, nesse caso, há de acertar quase sempre, mantendo, aproveitando e aumentando a grande força moral de que dispõe". Já na questão da vacina, Rui a combateu de forma contundente. Chegou a declarar: "Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme. Logo não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania, a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cuja influência existem os mais fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte". E chega a ser dramático: "O Estado mata, em nome da lei, os grandes criminosos. Mas não pode, em nome da Saúde Pública, impor o suicídio aos inocentes". Com isso, estimulou a revolução. Depois condenou-a, esquecendo-se de que sua autoridade intelectual e moral a fizera deflagrar. Mas, depois que as coisas serenaram, apresentou projeto de anistia. Foi hostil a Rodrigues Alves, depois seu admirador entusiasmado e, em 1913-1914, quis levantar o nome de Rodrigues Alves para voltar à Presidência. Em seguida, já no fim da vida do paulista de Guaratinguetá, como Rui também almejasse a Presidência, volta a ser inamistoso e crítico. Se até Rui mostrou-se pusilânime e ambíguo em alguns momentos, incoerente em tantos outros, como reclamar absoluta coerência dos outros pobres mortais? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 29 07 2023 voltar |
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