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PEQUENOS GESTOS DE GRANDES HOMENS
Acadêmico: José Renato Nalini
Quem diria que personalidades hoje integrantes do Panteão dos heróis da pátria fossem vulneráveis a tais sentimentos tão chãos?

Pequenos gestos de grandes homens

Quem passou pela vida pública sabe que o ambiente da política é de intrigas, maledicências, hipocrisia e muito fogo amigo. Em todos os setores, impossível se livrar da mesquinhez humana. Até espíritos considerados superiores, providos de inúmeros atributos que os distinguem dos demais, têm suas fragilidades na área da vaidade.

Quem diria que personalidades hoje integrantes do Panteão dos heróis da pátria fossem vulneráveis a tais sentimentos tão chãos? Por exemplo, o imbatível Barão do Rio Branco.

Ele residia na Europa havia décadas, casado com uma francesa, com filhos que sequer conheciam o Brasil, quando chamado por Rodrigues Alves para ser Ministro das Relações Exteriores. Declinou, procurando alegar motivos de saúde e também da dificuldade em trasladar sua imensa biblioteca e coleções que foi juntando ao longo da "carrière", finalmente expostas em sua mansão.

Debalde. Rodrigues Alves, que havia sido forçado por Campos Sales a sucedê-lo, também não desistiu da ideia. Depois de muitas missivas com elogios recíprocos, finalmente Rio Branco cedeu. Mas chegou ao Rio quinze dias depois da posse de Rodrigues Alves e a crônica da época alega que tal artifício derivou da intenção de não ser ofuscado pelos festejos da posse presidencial. Realmente, foi uma consagração a que o povo carioca lhe rendeu. Os brasileiros, quando se propõem a homenagear, sabem fazê-lo. Principalmente quando o homenageado tem condições de retribuir, seja qual a forma de que se servir para tal.

Ora, Rio Branco, ao se esquivar da nomeação, mencionava Joaquim Nabuco, conhecido como "Quim, o Belo", para esse posto. Teceu efusivos encômios ao seu recomendado.

Quando assumiu as Relações Exteriores, coincidiu de Joaquim Nabuco ter sido o primeiro embaixador brasileiro nos Estados Unidos. E foi conquistando espaços na grande democracia ianque, mercê de seus dotes de talento, erudição, charme e poder de articulação. Tanto que Nabuco entendeu de realizar no Rio de Janeiro a terceira Conferência Pan-Americana em 1906.

A essa altura, a capital da República estava saneada e embelezada, mercê do empenho de Rodrigues Alves, do Prefeito Passos, de Oswaldo Cruz e do Engenheiro Paulo de Frontin. Era a oportunidade de mostrar aos demais líderes americanos o sucesso dessa gestão. Rio Branco não se entusiasmou com a Conferência. Ao contrário. Tentou até boicotá-la. Sabia que o brilho estaria reservado a Joaquim Nabuco e ao Secretário de Estado norte-americano, Elihu Root, que já se tornara amigo do embaixador brasileiro, a quem já admirava antes disso.

Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, "a atitude de Rio Branco - vê-se pela correspondência oficial e particular de Nabuco - é desconcertante. Fecha-se em uma reserva de esfinge, acolhe com certo tédio a perspectiva e não abre uma frincha das suas intenções a Nabuco, que morre de inquietudes pelo risco em que vê naufragarem a sua fé e o seu prestígio. Até às vésperas da viagem, Nabuco se angustiava sem sabe se seria ou não incluído na delegação do Brasil".

Já na abertura dos trabalhos, os discursos de Rio Branco são parcos. Repete obviedades. Na fala de encerramento, faz ironia ao afirmar que tantas foram as festas e recepções, que os hóspedes oficiais devem tê-las encarado como verdadeira provação. Como era um diplomata experiente, isso não significa gafe. Era uma demonstração deliberada de pouco-caso. E isso porque, diante de sua omissão, foi apenas a terceira figura do Congresso, depois de Nabuco e de Root.

Os íntimos sabiam disso. O Embaixador E. Chermont, que era o secretário de Nabuco, teve de ir ao Barão, para obter recursos necessários à confecção de mesa de banquete com a forma das Américas. Foi surpreendido com um grito de Rio Branco: "O que é que este homem (Nabuco) ainda quer mais?".

O mesmo ocorreu no ano seguinte, 1907, quando quem brilhou foi Rui Barbosa, nossa "Águia de Haia", de quem Rio Branco tinha ciúmes e guardou ressentimento. Quando Rui voltou e recebeu visitantes em sua casa na rua São Clemente, Rio Branco fez questão de permanecer numa cadeira do jardim, formando em torno de si uma roda crescente, enquanto poucos ficavam no interior da residência, junto ao homenageado. Algo que o entorno chamou de "maliciosa manobra daquela sereia gorda"...

São pequeníssimos gestos de grandes homens. A fragilidade dos gigantes.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 25 07 2023



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