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CONFIAR EM POLÍTICOS?
Acadêmico: José Renato Nalini
A regra geral é o total descompromisso com a ética e com virtudes como gratidão, reconhecimento, lealdade, fidelidade a princípios.

Confiar em políticos?

A política partidária é uma experiência invulgar. A regra geral é o total descompromisso com a ética e com virtudes como gratidão, reconhecimento, lealdade, fidelidade a princípios. Sem falar que ela é ambiente propício à amnésia. Quantos dos militantes se esquecem da distinção entre o interesse público e o interesse privado?

Quem se aventura por essas águas tem de estar preparado para o afogamento. Involuntário, por mero acidente ou provocado por adversários. Hoje existe um outro componente na política partidária que afugenta pessoas de bem: o excesso ministerial - falo do MP, a Instituição mais poderosa da República - e do controle de contas: os Tribunais de Contas. Quantos prefeitos vi, enquanto judicava, que eram levados à Justiça por rusticidade, não desonestidade. Simplesmente não conseguiam prestar as contas de acordo com o sofisticado figurino das "Cortes" de Contas, que parecem normatizar para a Escandinávia, numa sociedade iníqua muito mais comparável com países em estágio muito inferior de desenvolvimento.

Mas a conduta que a história do Brasil registra em relação a muitos políticos não tem variado no decorrer dos séculos. As exceções contam-se nos dedos. Uma delas, o paulista Rodrigues Alves. Já mencionei o quão assediado foi por Floriano Peixoto e sua equipe, a fim de assumir o Ministério da Fazenda. Ele teria de enfrentar o rescaldo do Encilhamento. Pandiá Calógeras foi alguém que reconheceu os méritos do homem de Guaratinguetá: "Assumindo a presidência, o Marechal Floriano entregou a Pasta da Fazenda ao benemérito estadista Conselheiro Rodrigues Alves que, daí por diante, com pequenas interrupções, jamais deixaria de orientar a nossa política financeira até 1906 ou, pelo menos, inspirá-la assiduamente com as suas luzes e experiências. Por outros termos, pode dizer-se que daí data o concurso direto do que já houve quem denominasse a influência paulista nos altos destinos da República".

Assumiu a Fazenda em situação crítica. Ele sabia disso, daí a hesitação ao aceitar o oneroso encargo. No relatório de 1892, afirmava: "Tem sido objeto das mais sérias preocupações, no país, a crise econômica e financeira com que lutamos aflitivamente há muitos meses". Ele sabia superar os obstáculos, com política de saneamento financeiro a que se entregou. Só que ele foi obrigado a deixar o Ministério sem poder realizar o seu programa, especialmente o plano que alimentava de uma geral reforma do Tesouro. É Calógeras, ainda, que rememora: "A 29 de agosto este estadista, um daqueles a quem o Brasil deve os mais eminentes serviços pela sua reabilitação financeira, demitiu-se, com grande pesar para todo o comércio do Rio e para os círculos políticos conservadores, que viam, na sua administração e na sua política monetária, o melhor caminho para sair da trilha em que o haviam lançado os abusos de crédito de toda sorte".

Por que Rodrigues Alves se viu compelido a abandonar a condução da política fiscal e financeira do Brasil?

Isso porque Rodrigues Alves teve a coragem de contrariar o Presidente Floriano Peixoto, que assumira quando da renúncia de Deodoro da Fonseca, em relação às eleições. Floriano pretendia permanecer no cargo até final do mandato. Os Ministros se reuniram, a convite de Rodrigues Alves, e aconselharam Floriano a convocar eleições presidenciais.

Isso magoou o Marechal de Ferro, que queria permanecer na presidência. Num dos despachos com os Ministros, Floriano deixou a Fazenda para o fim. Quando chegou a vez de Rodrigues Alves apresentar o expediente para despacho, Floriano levantou-se e não voltou. E fez assim em vários despachos subsequentes.

Rodrigues Alves escreveu a Floriano um pedido de demissão: "Sem uma perfeita unidade de vistas entre o ministro da Fazenda e o chefe do Estado, não só quanto ao modo de encarar a questão financeira, como os meios de resolvê-la, a administração não pode caminhar regularmente...Essa unidade de vistas não existe. As minhas ideias, por infelicidade que lamento, não combinam com as de Vossa Excelência e a situação não permite que o ministro da Fazenda, no meio das dificuldades que nos cercam, possa agir sem a firme segurança de que o chefe do Estado confia absolutamente na execução e eficácia dos seus planos".

Assim, quem forçara Rodrigues Alves a assumir a Fazenda num momento delicado e crítico, o faz exonerar-se nove meses depois, por ter sido contrariado num interesse pessoal e egoístico. Coisas da política brasileira.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 19 07 2023



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