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Acadêmico: José Renato Nalini Cresce, de maneira exponencial, o número dos que moram só. Há inúmeras razões para explicar o fenômeno.
Tribo de um índio só Cresce, de maneira exponencial, o número dos que moram só. Há inúmeras razões para explicar o fenômeno. Não se exclua a fatalidade: embora se preferisse conviver, as circunstâncias não o permitem. Mas há outros casos. Os humanos mudam de opinião. Se há algumas décadas o casamento era inexorável, hoje ele é uma opção bem calculada. Ele já foi um contrato indissolúvel. Hoje seu laço é desfeito e refeito várias vezes, com vários personagens. Ou até com os mesmos protagonistas. Há de tudo. Escolhe-se viver sozinho, o que não equivale a assumir a solidão. Pois solidão é um estado de espírito que pode acometer uma pessoa rodeada de outras. Como decisão pessoal, morar sem companhia tem suas vantagens. Dorme-se e acorda-se à hora que se quer. Idem, horário de alimentação. Se quiser ficar de pijama - ou sem pijama - durante o dia todo, não se precisa prestar contas a ninguém. Tudo hoje facilita essa possibilidade. Os supermercados produzem rações individuais. Desapareceu o conceito de "solteirona" ou "solteirão". É muito mais barato viver sozinho do que acompanhado. Também existem estudos que mostram que morar sozinho é para pessoas muito bem qualificadas. Pessoas que se autoestimam de verdade. Aceitam-se como são e não precisam de mais ninguém para legitimar essa aceitação. A busca frenética de companhia é para alguém que não se suporta. Com a diversidade plural de nossa sociedade, há inúmeras formas de se passar a vida. É só pensar que o casamento acarreta um sacrifício a dois, na maioria das vezes. O marido gosta de futebol, quer continuar jogando e, depois disso, tomar cerveja com os amigos. Nos fins de semana, preferiria pescar. A mulher, por sua vez, tende a visitar os pais. Ou a fazer uma programação que o companheiro abomina. É difícil que alguém assuma, com espontaneidade e prazer, a condição de respeitador do outro, a permitir que cada um se dedique àquilo que mais aprecia, sem nutrir ressentimentos ou criar uma animosidade que, a final, vai derivar em separação e fim da convivência. Outro fator que estimula a moradia individual é a longevidade. Os humanos estão vivendo mais. Constata-se um grande número de viúvas, pois os homens morrem mais. O que vai se refletir na multiplicação de construções unifamiliares, ou seja, é necessário acudir à demanda desse mercado crescente: pessoas que não precisam de grandes espaços para residir. Algo também vinculado à mudança cultural que os jovens impõem: o importante é morar singelamente e ter liberdade para viajar bastante. O que inclusive significa o desapego àquelas formas de consumo que representam certa dependência exagerada ao consumo e à matéria. Pessoas que vivem sozinhas podem elaborar uma fórmula existencial muito desenvolta, desvinculada daqueles deveres formais convencionais, aos quais a submissão não é prazerosa, mas obrigatória e pesada. São aquelas que pretendem continuar num processo de aprendizado informal, uma espécie de doutorado sem a necessidade de matrícula, mas consiste em busca do conhecimento, mediante pesquisa no inimaginável número de informações disponíveis, em dimensão nunca dantes registrada na história da humanidade. Como a fome de saber é insaciável e a multiplicidade de temas dispõe de farto acervo, acessível a quem se mostrar movido por incontida curiosidade, existem pistas abertas para todos os gostos. Isso permite que novas vocações se consolidem, que se amplie o cenário para a reflexão e o debate de questões pioneiras e que se exerça a criatividade e a engenhosidade, conceitos essenciais para o desenvolvimento nacional. Na verdade, o mundo mudou e, nada obstante o passado sirva como parâmetro e orientação, não é invocável como fórmula imutável de convivência. Surgem personalidades singulares, a comprovar que o ser humano é heterogêneo e irrepetível. São aqueles seres que se poderiam chamar "tribos de um índio só". Ou seja: há inúmeras maneiras de se viver sem companhia, embora o gregarismo seja uma característica dos animais. Como dizia Blaise Pascal, "o homem sabe que é racional, só não sabe que é também um animal". Não existe um caminho único para a vida feliz e harmoniosa, qual se desenhava nos séculos passados: a família numerosa, o patriarca a impor sua vontade ao conjunto e uma espécie de ostracismo a que seriam condenados os que preferiam viver sós. Muitos dos que já seguiram tal senda, afirmam satisfazer melhor às mais íntimas expectativas a tranquilidade da solidão escolhida, do que o inferno em que pode se transformar a vida em comum. Eles devem saber o que dizem. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 17 07 2023 voltar |
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