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NÃO É CULPA DO SUPREMO
Acadêmico: José Renato Nalini
O protagonismo do STF não é, por inteiro, responsabilidade de seus ministros.

Não é culpa do Supremo

Há não muito tempo atrás, os meninos brasileiros sabiam escalar a seleção canarinho. Hoje, com jogadores que jogam no estrangeiro, o fã-clube já não consegue se fixar em onze nomes. Há um outro time que citam de cor: os onze ministros do STF. Fala-se deles com familiaridade, como se fossem íntimos. Conhecem-se até os apelidos, nem sempre carinhosos.

É o protagonismo do STF, fenômeno sem similar no restante do planeta. Ou alguém sabe quem são os magistrados das Cortes similares na França, Alemanha, Estados Unidos ou Japão?

A que se deve esse fenômeno?

A uma série de causas. Primeiro, a volúpia de redemocratização no período constituinte de 1985 em diante. Depois, a ânsia de incluir no texto da Constituição, tudo aquilo que deveria ganhar força acrescida, em cotejo com a legislação infraconstitucional. Por isso é que a Constituição do Brasil de 1988 é a segunda maior do planeta. Trata de tudo. Abandonou o modelo tradicional das Cartas Constitucionais, que deveriam contemplar apenas a organização do governo e a declaração dos direitos fundamentais.

Para os otimistas, a Carta Cidadã foi a que mais acreditou no Judiciário. Criou instrumentos de provocação do equipamento estatal encarregado de solucionar conflitos. Não satisfeita com a enunciação de cinco direitos fundamentais no caput do artigo 5º, fez com que desses cinco irradiassem setenta e oito incisos, de maneira tal, que praticamente tudo é direito humano essencial na ordem fundante vigente. Mais ainda, nos parágrafos ao artigo 5º escancarou uma porta de acesso que permite se considerem direitos fundamentais todos aqueles que derivarem de uma interpretação expansiva do texto ou que resultarem de tratados, acordos e convenções firmados pelo Brasil.

O resultado disso é que o STF passa a receber processos que nunca deveriam chegar lá. Pois as Supremas Cortes devem apenas definir o que é compatível com a Constituição e fazem parte da ordem vigente e aquilo que não se compatibiliza, e que não integra o ordenamento. Aqui no Brasil, o STF é o destinatário de praticamente todas as lides. Basta incluir na petição inicial um dispositivo fundante e o processo, certamente, chegará à apreciação do tribunal.

Outras questões fazem com que o STF assuma um papel extraordinariamente amplo. A competência criminal faz com que o STF julgue qualquer habeas corpus que seja impetrado. Pense-se numa circunstância como essa, a do vandalismo praticado em 8 de janeiro de 2023. São mais de mil réus, cujos processos começam e terminam no STF.

Mais uma circunstância que é visível a qualquer bom observador: o Parlamento brasileiro não costuma enfrentar questões polêmicas. Isso faz com que ao Supremo caiba enfrentar temas como a questão da célula-tronco embrionária, a questão afro-descendente, a interrupção da gestação, os transgêneros, a demarcação de terras indígenas, o piso salarial da enfermagem e tantos outros.

Há certa incompreensão daquilo que o STF realiza, devido à exploração midiática, nem sempre afinada com a melhor interpretação do direito. Por exemplo: discutiu-se o retorno da contribuição sindical, extinta por lei. O STF não revogou a lei, mas apenas decidiu que a contribuição assistencial é devida. Algo que não ficou muito claro no noticiário.

Em todos os julgamentos, não houve invasão da função legislativa, nem qualquer desvio, mas decisão insuscetível de crítica, à luz da melhor hermenêutica. O único ativismo aceito pelo próprio STF foi o da união homoafetiva. À falta de lei - mais uma deficiência parlamentar - os juízes adotaram, por analogia, o tratamento conferido às uniões heteroafetivas.

O constituinte excedeu-se ao multiplicar as modalidades de acesso originário ao STF, ao criar, além da ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de constitucionalidade, a ação direta por omissão e a ação por descumprimento de preceito fundamental. O paradoxo maior é o de que, muito embora tenhamos adotado o modelo rígido, com quórum qualificadíssimo para modificação da Constituição, o texto de 1988 já foi emendado por mais de 130 vezes, além das seis revisões.

O protagonismo do STF não é, por inteiro, responsabilidade de seus ministros. É ocasionado pelas circunstâncias aqui expostas, sem exclusão de tantas outras. Em síntese, a sociedade precisa refletir: cada nação tem o Supremo que merece.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 14 07 2023



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