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Acadêmico: José Renato Nalini Realmente, não consigo acreditar que se adote como uma das metas de governo a fabricação incentivada de carros populares.
Besteirol governamental Realmente, não consigo acreditar que se adote como uma das metas de governo a fabricação incentivada de carros populares. No momento em que o mundo enfrenta o maior perigo que a humanidade já encarou, a mudança climática, por que incentivar o uso de uma ferramenta poluidora? O carro é um inimigo do futuro. Usa combustível fóssil, esse veneno que está condenando a humanidade a encerrar mais cedo a sua aventura neste sofrido planeta. O mundo civilizado procurando descarbonizar, reduzir a zero as emissões dos gases causadores do efeito-estufa e o Brasil, em acelerada marcha-a-ré, incentivando o pobre a ter seu carro. Vai continuar aquela ladainha: para de comer para comprar gasolina; não paga escola, mas compra gasolina; não vai ao dentista, mas tem dinheiro para gasolina. É a perpetuação de um erro trágico: a eliminação da rede ferroviária que, no final do século XIX e no início do XX delineava um futuro auspicioso a este país continental. Depois de tanto investimento, os trilhos foram arrancados, os dormentes servindo de cerca para fazendas de milionários, as estações abandonadas, vandalizadas, destruídas. São Paulo, a insensata capital, é um exemplo icônico. Escolhida pelos jesuítas no século XVI como um centro de nova civilização, levou-se em conta a existência de vários grandes rios e de centenas de afluentes, cursos d'água, córregos, riachos, veios d'água e fontes. Onde estão? Os rios, tornaram-se coletores de lixo e imundície. Perderam a vida e qualquer expectativa de retorno a ela. Os cursos d'água foram sepultados para dar lugar ao asfalto. A cidade de São Paulo é destinada ao carro poluidor e egoísta. Não aos humanos. O que o governo vai investir em subsidiar a indústria automobilística, teimosa em não se reciclar, deveria ser aplicado na ampliação da rede metroviária. O metrô é também um fator civilizatório. Incrível que aquele erro de engenharia e design que é a pretensa ligação da estação paulista-pernambucanas com a consolação, - forma de se transferir da Linha 2 para a linha 4 - não cause distúrbios comportamentais. Os passageiros são obrigados a percorrer talvez um quilômetro. Mas não há berros, não há empurrões, não há vozerio. O metrô é uma escola de polidez! É de metrô que São Paulo precisa. E de um sistema viário compatível com suas necessidades e com a população que vive nela. População duas vezes maior do que a de Portugal e a de países que são o nosso alvo de cobiça, diante da qualidade de vida assegurada a seus nacionais. Um assunto que precisa entrar no radar da administração municipal é a questão da tarifa zero. Parece absurdo à primeira vista. Mas ouvi alguém falando num desses noticiários televisivos da madrugada, que as cidades que implementaram esse projeto estão se dando bem. Por que? Há uma demanda reprimida por parte da periferia carente. Se o Brasil tem hoje mais de trinta e três milhões de famintos, muitos outros milhões de sem teto, sem emprego, sem perspectiva de vida, é razoável concluir que muita gente não se locomove porque não tem dinheiro para pagar a condução. As cidades que experimentaram esse projeto de tarifa zero experimentaram considerável incremento no seu comércio e nos seus serviços. As pessoas, podendo se locomover, vão procurar aquilo que deixaram de lado porque não tinham condições de chegar ao lugar que pretendiam visitar e onde chegaram a fazer alguma aquisição. Nem todas as ideias que, aparentemente, são absurdas, devem ser de imediato descartadas. Por exemplo, uma segunda reflexão: a renda mínima. Discurso de Eduardo Suplicy que parecia utópico, mostra-se hoje uma alternativa para os órfãos da automação. O que fazer com pessoas que perderam o emprego porque suas profissões desapareceram? Elas precisam continuar a viver. A renda mínima garantirá que o ócio não se converta em desilusão, em desalento e em desistência de viver. Renda mínima para sustento, para diversão, para turismo, para entretenimento e lazer, para cultura. Por que não? Se o homem tivesse juízo, já teria acabado com a indústria bélica. Por que criar instrumentos letais, quando o que é necessário e urgente é salvar a condição existencial dos humanos? Vamos pensar sobre isso? Parta-se do pressuposto de que governo é servo do povo. Não é sustentado para fazer besteiras. Isso depende de nós. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 13 07 2023 voltar |
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