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HOMENS DE FÉ
Acadêmico: José Renato Nalini
Aquele que acredita na eternidade tem condições de suportar com resignação a perda dos seres queridos, contingência a que todos estamos sujeitos e pela qual - inevitavelmente - um dia passaremos.

Homens de fé

O fenômeno religioso sempre coincidiu com a história da humanidade. É ínsito à inquietação do ser racional o interesse por saber se tudo terminará com a morte ou se existe a perspectiva de um outro estágio, ainda que bem diferente deste.

Aquele que acredita na eternidade tem condições de suportar com resignação a perda dos seres queridos, contingência a que todos estamos sujeitos e pela qual - inevitavelmente - um dia passaremos. Quem não tem o conforto da fé, precisa ser uma pessoa de excepcional ética para não se revoltar. Qual o sentido da vida, se ela é tão breve e tão frágil?

O uso da religião para finalidades que não condizem com o objetivo precípuo de salvação da alma, porém atende a interesses muito mais palpáveis, é também uma constante na peregrinação humana. Há quem se sirva do escudo religioso para fazer crer seja uma pessoa mais virtuosa do que realmente é. Outros se valem da confissão religiosa para obter proveito em seu negócio. Ultimamente, é recorrente a invocação ao pertencimento a alguma religião, para obter votos na política partidária profissional que se instaurou no Brasil e que parece uma condição da qual, lamentavelmente, não se vislumbra saída.

O esvaziamento das igrejas é um sintoma que não pode causar satisfação. Mostra que os racionais estão mais empenhados em obter matéria em lugar da obtenção de graças. No capitalismo selvagem, nada é de graça. Tudo é monetizado, tudo tem preço e compra-se reputação, honra, brio, coisas intangíveis até há pouco.

Todavia, ainda existem homens de fé. Aqueles que são movidos por crença inabalável, resistente a qualquer intempérie. São raros? Sim. Mas deveriam servir como luzeiros, a inspirar a grande massa descrente.

Para não citar vivos - e eles são encontrados - detenho-me sobre o exemplo de Altino Arantes, paulista de Batatais, onde nasceu aos 29 de setembro de 1876. Foi um dos estadistas mais destacados do século passado. Foi Presidente do Estado - assim se chamava, à época, o Governador - entre 1916 e 1920. Aluno do Colégio São Luís, de Itu, sua formação religiosa católica foi esmerada.

Em 1932, esteve ao lado de São Paulo na Revolução Constitucionalista e pagou com o exílio essa opção. Sobre sua vida, há vasta bibliografia, inclusive porque presidiu a Academia Paulista de Letras, airosamente, durante catorze anos. Mas o que interessa é mostrar aos viventes que Altino Arantes foi um homem de fé.

Na celebração de seu centenário, em 1976, o também acadêmico José Augusto César Salgado pronunciou oração na Academia e então proclamou: "Ao contrário de muitos que, deslumbrados com as galas do poder, se esquecem do endereço de Deus, ele nunca deixou de cumprir com as suas práticas religiosas. E fazia-o naturalmente, como simples prestação de um dever. Ele jamais se deteve na categoria amorfa dos indefinidos, dos que se omitem, recuam, desertam, incapazes de qualquer atitude positiva, em face de magnos problemas da vida. Espíritos pusilânimes, comparados por Dante aos anjos que nem se rebelaram, nem combateram por Deus, quando Lúcifer ousou medir-se com o Altíssimo nos páramos celestes. São aqueles seres incaracterísticos, "sciagurati che mai non fur vivi", repudiados pelo céu e pelo inferno, e que o Florentino surpreendeu a vagar sem pouso, na infinita penumbra do espaço sem estrelas".

Quando discursou para os alunos do Colégio Arquidiocesano, exortou a juventude: "Sede, pois, católicos de verdade, católicos vivos e operantes, desses que passam pelo mundo superiores aos seus gabos como aos seus convícios; fazendo o bem pelo que ele significa; cumprindo o dever pelo que ele é, e opondo a serena regularidade de suas práticas religiosas aos remoques da incredulidade, às afrontas da intolerância e às pressões escarninhas ou hostis do meio indiferente ou ingrato".

Era um homem que rezava o terço todos os dias. Sem ostentar a sua fé como um troféu, à espera de reconhecimento ou de aplausos. Seu diário íntimo registra a sua confiança na Providência: "Não me assusto, hoje, com a perspectiva da Morte. Como católico, só uma graça queria merecer de Deus: a de expirar na minha Fé e por ela ser confortado".

Mereceu essa graça ao falecer em 5 de julho de 1965.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 10 07 2023



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