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O MAR FAZ MAR
Acadêmico: José Renato Nalini
É inadmissível nesta era da inteligência, tratar o mar como lata de lixo, testemunho evidente da ignorância da espécie humana.

O mar faz mar

Conta-se que alunos de uma escola de simpática cidade do interior fizeram excursão para Santos. Nunca haviam estado numa praia. Esbaldaram-se e não queriam sair da água. O que levou a professora aflita a gritar por eles: "Meninada: sai do mar que o mar faiz mar...".

Piada à parte, o mar pode realmente fazer mal, se continuar a ser tão maltratado por nós. A cupidez humana se apodera de seu espaço. Quer fazê-lo recuar. Constrói praias artificiais. Faz aterros que o desnaturam. Destrói a vegetação da restinga, tão necessária ao equilíbrio ecológico.

Incansável na sanha destruidora, o homem faz pesca predatória. Acaba com cardumes. Recolhe exemplares ainda em processo de crescimento. Exterminam a possibilidade ecossistêmica de se abastecerem de peixes, alimento que acompanhou a humanidade desde o seu surgimento.

Pior nada poderia ser, senão a desastrosa poluição que arremessa às águas marinhas toda espécie de imundície produzida pela única a se autoproclamar racional, portanto acima de todas as demais. Há verdadeiras ilhas de material plástico a boiar pelos oceanos. Houve, anos atrás, muita campanha mostrando que as tartarugas morriam ao aspirar os canudos plásticos. A sujeira faz com que desapareçam muitas qualidades da riquíssima fauna marinha, que já viveu melhores dias.

Uma boa nova - há tanta falta delas! - é que a UNESCO estabeleceu que esta é a Década dos Oceanos. No Brasil, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, numa parceria com a Unifesp - Universidade Federal de São Paulo, lançou dois editais para que as escolas de todo o país fomentem a cultura oceânica.

O Programa "Escola-Azul" já existe, mas depende da boa vontade da direção escolar. Já o projeto "Maré da Ciência" propõe que a cultura oceânica tenha espaço no currículo. Seu objetivo é implementar mudança de cultura e de comportamento, para que os oceanos sejam respeitados e mantenham a saúde ecossistêmica essencial à continuidade da prestação dos serviços oferecidos gratuitamente à humanidade.

Lançou-se um primeiro edital, chamado "Feira de Ciências - Escola Azul", destinado aos alunos do Ensino Médio e do Ensino Técnico Profissional. Toda escola, seja pública ou particular, pode se inscrever para a realização de Feiras de ciências no próximo outubro.

As escolas públicas concorrerão a duzentos e oitenta mil reais em prêmios. O destino é selecionar quinze escolas, três de cada região do país, para recebem seis bolsas de estudo. Uma para professor e cinco de desenvolvimento científico para alunos. Outras vinte e cinco bolsas de educação científica júnior são reservadas para estudantes autodeclarados pretos, pardos, indígenas ou quilombolas, numa continuidade do objetivo da inclusão.

O segundo edital é a Olimpíada do Oceano, com três modalidades: uma de conhecimento, outra de projetos artísticos e uma de projetos socioambientais. É um projeto aberto a qualquer pessoa interessada. Há uma etapa nacional e outra internacional. Na primeira, cem alunos serão premiados com bolsas de iniciação científica júnior, distribuídos pelas cinco regiões do país.

Embora seja evidente que as cidades litorâneas sejam as principais interessadas em oferecer à sua população noções de preservação da orla marítima, todo e qualquer município pode e deve se interessar pelo tema. O Brasil tem mais de dez mil quilômetros de contato direto com o mar. Isso interessa a toda a população. E não há necessidade de uma disciplina específica. O assunto pode ser transversalmente tratado em todas as demais. Geografia, é claro. História também. Mas em arte, meio ambiente, tudo aquilo que possa implementar uma consciência oceânica favorável à conservação desse patrimônio universal que estamos rapidamente contaminando com nossa ignorância e incúria.

Poucas pessoas no Brasil se devotam a essa causa, com o entusiasmo de João Lara Mesquita, responsável pelo projeto "Mar Sem Fim", que tem uma história de vida extraordinária e que escreveu, dentre outros, o livro "O Brasil visto do Mar Sem Fim", de 2007.

Um tópico de sumo interesse para o futuro de nosso país é endereçar a juventude para as inúmeras profissões existentes e vinculadas aos oceanos. Algo muito mais promissor do que mergulhar no velho e carcomido mercado de áreas esgotadas e destinadas a gradual extinção. Opção mais interessante do que tratar o mar como lata de lixo, testemunho evidente da ignorância da espécie humana, inadmissível nesta era da inteligência.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 05 07 2023



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