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CRIME: OPORTUNIDADES PERDIDAS
Acadêmico: José Renato Nalini
E o crime sobrepairando, nadando de braçada, diante da irracionalidade do Estado, que não sabe administrar essa chaga, com a qual aprendeu a conviver.

Crime: oportunidades perdidas

O Brasil convive com problemas crônicos e não quer resolvê-los. A questão da criminalidade é complexa, mas existem opções para tornar seu tratamento algo melhor do que o atual fracasso. Ou não é fracasso? Criam-se novos tipos penais, fala-se em redução da maioridade, pune-se e prende-se de forma incessante e crescente. E o crime aumenta. Dissemina-se. Contamina todos os espaços. É uma verdadeira metástase. Tal e qual o câncer, o crime não tem cura.

O Código de Processo Penal da ditadura, editado em 1941, continua em vigor. É óbvio que a superveniência de uma Constituição democrática o tornou palatável. Mas o enfrentamento da delinquência ainda é anacrônico, irracional e dispendioso.

Agora mais uma chance de melhorar vai ser perdida. É o tema do juiz de garantias. Boa ideia descontaminar a fase da investigação, para que o julgador seja, efetivamente, imparcial. Não tenha assimilado preconceito ou pré-compreensão durante o período em que ele mesmo tenha decretado ou prorrogado a prisão preventiva, ordenado busca e apreensão, interceptação telefônica e outras providências tendentes à obtenção de provas.

O juiz da instrução e julgamento estaria isento de qualquer possibilidade de formação prévia de seu convencimento. Providência aprovada pelo Congresso no final de 2019, adiada pelo STF para criar parâmetros e, a partir de janeiro de 2020, suspensa monocraticamente pelo relator na Suprema Corte.

Um dos argumentos contrários ao juiz de garantia é a necessidade de ampliação do quadro já numeroso e dispendioso de magistrados. Só que essa figura praticamente já existe. É o delegado de polícia, o encarregado da polícia judiciária, aquela autoridade que já faz tudo isso que o magistrado faria, agora como juiz de garantias.

O delegado de polícia é recrutado por concurso público de provas e títulos. Só pode ser bacharel em direito, assim como o Magistrado. E, ao presidir o inquérito policial, age ontologicamente como julgador. Por que não aproveitá-lo como "petit juge", como ocorre na França?

O subproduto sedutor seria a extinção do inquérito policial, uma peça hoje inservível na fase judicial, embora imprescindível para apurar prova e autoria. Demanda-se tempo destinado a produzir um inquérito. O procedimento é idêntico ao da Justiça Criminal. Chamam-se vítimas, testemunhas, interroga-se o indiciado. Tudo com observância do contraditório, pois - desde 1988 - os processos judiciais e administrativos se submetem a esse comando garantidor da igualdade entre as partes.

Hoje, repete-se em juízo aquilo que já se produziu no inquérito. Aqui, com a vantagem da proximidade do fato, da memória mais atilada de vítima e testemunhas. É um suplício para o ofendido e também para as testemunhas, que tomaram conhecimento dos fatos por mera casualidade, o comparecimento ao Fórum para reiterar o que já disseram na polícia. Com a agravante de se esperar que relatem o episódio com as mesmas palavras ditas na delegacia.

A existência do inquérito procrastina a solução do litígio criminal. É um dispêndio desnecessário de tempo e de recursos, pois tudo tem um custo e é pago pelo povo. Precise ou não da polícia judiciária ou do Fórum, o contribuinte sustenta essa máquina que só cresce e custa mais. O Judiciário no Brasil custa 1,5 do PIB, enquanto em países mais adiantados essa proporção não atinge 1, sendo sempre menor.

É óbvio que toda mudança é traumática, mas não é impossível o aproveitamento dos delegados de polícia, encarregados do que se chama de "polícia judiciária", sejam os próximos juízes de garantia. Reservar-se-ia um certo número de delegados para a continuidade das outras tarefas, como a polícia preventiva e a polícia de inteligência. Mas seria uma fórmula de se racionalizar a estéril duplicidade de trabalho hoje existente. Frise-se que o inquérito não pode sustentar a argumentação do juiz ao julgar. É uma peça desnecessária. Tudo o que nele se fez, em termos de oitiva de réu, vítima e testemunhas, tem de ser refeito.

Mas é óbvio que a sugestão sequer será objeto de cogitação. No Brasil, as soluções são sempre as mais dispendiosas. Multipliquemos os cargos de juiz. Mantendo a polícia judiciária a fazer inquéritos. E o crime sobrepairando, nadando de braçada, diante da irracionalidade do Estado, que não sabe administrar essa chaga, com a qual aprendeu a conviver.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 02 07 2023




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