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Acadêmico: José Renato Nalini É lastimável que a pretensão tupiniquim a ser considerada uma potência ambiental, esteja tão longe de coincidir com a realidade.
Potência gutural Tem sido muito comum o discurso a respeito da hegemonia brasileira em matéria ambiental. Quando interessa para a plateia internacional, até os antagonismos afinam a linguagem. Quantas vezes já ouvimos dizer que temos floresta demais, água demais, biodiversidade demais e que os outros países não têm legitimidade para falar sobre a preservação, já que dizimaram suas matas. Propala-se um ufanismo que não coincide com a prática nefasta de incessante destruição da cobertura vegetal nativa. Em nome de uma ignorante e equivocada concepção de "desenvolvimento", autoriza-se a devastação, incentiva-se a grilagem, a exploração de minerais em terras indígenas, na continuidade do genocídio que começou no limiar do século XVI. Rodrigo Tavares, professor convidado da NOVA School of Business and Economics, afirma - explicitamente - que "o Brasil não é uma potência ambiental global". E que a retórica em contrário não passa de bravata diplomática (FSP, 1º.6.23). Isso porque o país não avança na reindustrialização verde e na transição para uma economia de baixo carbono. Os verdadeiros defensores da natureza, desde a democratização, não lotam uma kombi: José Antônio Lutzenberger, Rubens Ricupero, José Goldemberg, Izabella Teixeira e Marina Silva. Acrescento Paulo Nogueira Neto, o cientista brasileiro que colaborou na elaboração do conceito de sustentabilidade, no já famoso Relatório Bruntdland. O desmanche das estruturas tutelares do ambiente ainda não foi objeto de restauração. O desmatamento continuou acelerado, meio semestre depois da assunção da nova administração federal. Não se fala em reflorestamento. Sabe-se que o Brasil carece de um bilhão de árvores que foram exterminadas. O que se tem feito para recuperar essa riqueza perdida? Fala-se em mercado de carbono, mas tudo fica nas falas estéreis e na sensibilidade de cientistas que lamentam esse atraso. Acrescente-se que a fome persiste: mais de trinta e cinco milhões de brasileiros passam fome diariamente. Cento e vinte e cinco milhões sofrem de insegurança alimentar. Quase metade da população está privada de acesso à rede de agosto e as águas residuais são lançadas sem tratamento em vias públicas ou em rios. Produz-se a maior quantidade de lixo do planeta e a reciclagem não avança. O que existe é mais testemunho de miséria, pois os excluídos recolhem o testemunho de nossa falta de educação ecológica. A Universidade de Yale elabora o Índice de Desempenho Ambiental e o Brasil figura em pífio 81º lugar, atrás de países como o Chile, o Equador e a Venezuela, integrantes da América Latina que não se vangloriam da condição de potências ambientais. De que adianta propagar gloríolas e não cuidar do próprio quintal? Alguém se lembra de que o Brasil aceita herbicidas proibidos em sua origem, aceita sucata radioativa do mundo inteiro, permite que nossa exuberante biodiversidade seja levada por piratas contemporâneos, sem qualquer resistência estatal. E o que dizer da ambiguidade do governo que, se de um lado proclama seu respeito ao ambiente, até para cumprir o disposto no artigo 225 da Constituição da República e permite inclusão de dispositivos que acabam com a proteção da Mata Atlântica? Prestigia o famigerado "marco temporal" para a demarcação indígena, como se os índios não fossem, de direito, os verdadeiros "donos da terra"? Um governo que permite a mutilação do Ministério do Meio Ambiente, reincidindo - especificamente - no desrespeito à Ministra Marina Silva, que é considerada, pela inteligência internacional, um aval à política brasileira. Como ser potência ambiental, se não se leva a sério a regularização fundiária, cuja falta compromete a defesa do patrimônio da cidadania, as terras públicas que a União relega à apropriação criminosa das sociedades delinquenciais organizadas e cada vez mais sofisticadas. É lastimável que a pretensão tupiniquim a ser considerada uma potência ambiental, esteja tão longe de coincidir com a realidade. Embora a situação natural do Brasil o predisponha a ser importante protagonista na economia verde, ante o maior perigo que ronda a humanidade, que é a mudança climática, a prática não reflete esse capital inicial. Potência, na verdade, reduzida à sua dimensão gutural. Permanece restrita no gogó dos ufanistas, sem qualquer vínculo com a realidade. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 01 07 2023 voltar |
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