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FEIJÓ E O CELIBATO
Acadêmico: José Renato Nalini
O Padre Diogo Antonio Feijó pregava, abertamente, a abolição do celibato.

Feijó e o celibato

O Padre Diogo Antonio Feijó, um brasileiro que viveu inúmeras aventuras e que se destaca na História do Brasil, era sacerdote. Nem por isso acatava o comando do celibato para os ordenados pela Igreja.

Pregava, abertamente, a abolição desse comando. Para ele, os padres deveriam se casar, até para não abrasar...Na condição de Regente no Império, quis fazer valer sua orientação. Até porque a Igreja Católica e o Estado estavam tão indissoluvelmente ligados, que o relacionamento entre as duas instituições oscilava entre promiscuidade e tensão.

Feijó era homem firme em suas convicções. Destemido e ousado. Daí o surgimento de inúmeras crises durante sua regência. Uma delas, exatamente com a Santa Sé.

O Núncio Apostólico no Brasil, Scipione Fabbrini, encaminhou uma nota ao Governo Imperial, em francês, a língua diplomática. Dizia que o Correio Oficial publicara que o Conselho Provincial de São Paulo queria tomar medida tais como: 1. Os bispos em suas dioceses têm os mesmos direitos que o Santo Padre em relação à Igreja Católica; 2. A lei do celibato é meramente disciplinar. Como conclusão, os bispos poderiam dispensar em suas dioceses os cânones disciplinares e permitir o casamento ao clero a eles subordinado. Na condição de delegado da Santa Sé, o Núncio tomava a liberdade de solicitar especial atenção do Governo. Terminava a dizer "permaneço, excelência, com a doce esperança de obter uma resposta que tranquilizará o coração do Santo Padre".

Feijó não estava propenso a "tranquilizar o coração do Santo Padre". Tanto que respondeu à nota da Nunciatura com a mensagem escrita de próprio punho e que dizia: "Monsenhor: à nota de 18 deste mês, na qual manifestais o desejo de conhecer o pensamento do Governo sobre a questão do celibato dos padres agitada em São Paulo, tenho a honra de dizer-vos, com toda a franqueza, que o Governo de Sua Majestade está convencido de que o celibato dos padres constitui um ponto de disciplina que os soberanos, em seus Estados, podem alterar, por si sós, em benefício de seus súditos. O Governo sabe que o celibato do clero no Brasil não existe de fato e este estado de coisas favorece enormemente a imoralidade pública. É, pois, preciso adotar medidas enérgicas e apropriadas às circunstâncias. E como é muito sério o assunto, e o Governo não quer dar a conhecer publicamente seu modo de ver, vai encaminhar a questão para a Câmara dos Deputados, com a qual deseja andar sempre de acordo, na esperança de que ela achará um remédio para curar este mal, que causa tanto dano à Igreja".

Essa troca de ofícios evidencia como eram tensas as relações entre Igreja e Estado brasileiro. E é de causar estupefação a coragem de Feijó, ele mesmo um sacerdote, quando escreveu: "O Governo sabe que o celibato do clero no Brasil não existe de fato".

Aos que pensavam que a união entre Estado e Igreja era saudável para os que professavam a religião católica, viu-se que isso era nefasto. Parece incidir a verdade popular de que "ninguém serve a dois senhores" e que remete à verdade evangélica: "A César o que é de César, a Deus o que é de Deus".

Isso aconteceu em pleno Império Católico, nesta nação que hoje tem bancadas temáticas evangélicas e em que os investidos da autoridade religiosa se imiscuem na vida política e pretendem domar seus rebanhos, para que sigam a orientação da liderança.

Uma promiscuidade nociva para ambos. O Estado, que é laico por vontade do povo, expressa pelo constituinte de 1988 e à Igreja, que não pode ser apêndice do governo e nem estar tão submissa a ele que traia a sua vocação de preparar o crente quanto às suas vicissitudes desta vida e torná-lo apto a adentrar à promessa de vida eterna sem carregar excessiva carga de pecados.

Mas a verdade, tão inalcançável, filosófica e moralmente, parece tender para a razão que movia Feijó e outras lideranças católicas imperiais. Quando alguém opta, livre e espontaneamente, por uma vida celibatária, isso adquire imenso valor. Quando, porém, o celibato é uma obrigação com a qual não se pode transigir, abre-se um perigoso espaço para a tergiversação, para a hipocrisia, para a falsidade. Gera um conflito permanente na consciência de quem sabe que está fugindo a uma obrigação que assumiu por votos perpétuos, ou pelo menos vitalícios, para satisfazer a uma necessidade natural: a prática sexual.

Confissões que permitem a seus ministros o casamento são menos vulneráveis a escândalos. Os tempos mostram que sexo é algo natural, instintivo, e que sua mutilação forçada não causa nenhum benefício à saúde física e, principalmente, à saúde da alma.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 20 06 2023



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