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Acadêmico: Gabriel Chalita Aos que gostam de dizer que há muita gente no mundo, digo, um amor é o mundo inteiro em nós dois.
Parece que foi ontem. Parece que foi ontem que ele atropelou minhas palavras e levou meu silêncio. Eu soube da traição. Tentei não saber, mas soube. Ele soube que eu soube. E desdisse o que primeiro disse prometendo um outro futuro. Eu disse nada. Queria ter dito, mas disse nada. Pensei nos dias sem ele e antecipei a dor. Pensei que temer a dor não era inteligente. Pensei que, se quisesse prosseguir, precisaria insistir. Ele não insistiu. Disse que o meu silêncio era violento. Disse que vivia de cansaços e que eu me arrependeria. E foi assim que a porta se abriu e foi assim que a porta se fechou. A primeira noite sem ele foi a explicação de que a alegria se foi apressada. Os esquecidos dele na casa e em mim doíam. Amigos disseram que o mundo tem gente demais para chateações com um só. Que basta olhar pela janela e escolher outro. Na janela dos meus sentimentos, eu só avistava ele. Sei que o mundo é povoado. Sei que, depois de um, pode vir outro. Mas por quê? Por que não ele? Porque me traiu! Os compridos diálogos imaginários eram cheios de palavras, mas, diante dele, elas falhavam. Decorridas poucas semanas da porta aberta, da porta fechada, nos vimos. Ele entregou doçura e falou da saudade. Eu quis dizer que a porta poderia ser aberta. Que a cama poderia ser ocupada. Que o passado não precisava ser desfeito. Ele disse sobre tentarmos novamente. Eu disse 'sim' nos pensamentos e 'não' nas palavras. Por orgulho, talvez. Por teimosia. Por querer que ele insistisse mais, que implorasse, que dissesse não viver sem mim. Não sei o que eu queria, só sei que disse o que não sentia. E falei da pressa de ter de ir. Pressa do quê? Inventei. A manhã daquele dia que nos vimos, depois de tanto dia desejar, foi logo noite. Ensaiei o que diria da próxima vez. Está bem. Vamos tentar novamente. Mas quando seria a próxima vez? Por que eu não poderia procurar e dizer que estava aceito o convite para voltar a sermos? Porque eu não traí. Quem trai tem que rastejar. Por que quem trai tem que rastejar? Porque sim. Porque sim era sempre uma resposta econômica que eu dizia, quando não queria mais dizer. A outra vez que nos vimos, ele já estava ocupado. A dor foi uma matemática de somas de lembranças e de subtrações de futuros. Nunca mais seríamos. Nunca mais seríamos, porque não fiz as contas de que, apesar da traição, era com ele que eu acordava feliz. A fria cidade em um dia quente dizia que eu errei. E que, agora, a certidão de posse já havia sido transferida. Ele, acompanhado, olhou nos meus olhos e pareceu ainda aceitar alguma palavra minha. E o meu orgulho? Como dizer limpando o orgulho das palavras? Disse para mim que as pessoas erram e disse, depois, que quem erra pede perdão e disse, depois, que ele pediu perdão e disse, depois, que ele não disse o suficiente para mostrar arrependimentos e disse, depois, a tristeza. Não, não existe amor único e não existe dor que se prolongue além do necessário. De janela aberta, um dia, hei de encontrar. Por que encontrar se já encontrei? Já está ocupado. Será? E se eu disser que aceito? E se eu disser, e ele disser que agora já não mais quer? Um dia, ele jurou amor sem fim. Um dia, ele me traiu. Quem ama trai? Quem ama perdoa? Quem trai pode deixar de trair? No dia da porta aberta e da porta fechada, seu rosto escreveu sinceridades. A porta aberta iluminava tudo. Quando a porta fechou, fez escuro em mim. Quando as palavras falham, os dias tomam outros caminhos. Um dos seus últimos ditos foi: "Eu sou homem, não sou máquina, homens erram". E chorou. Eu não chorei. Chorei depois. Depois da porta fechada. Depois de entregar à teimosia o troféu da vitória. Parece que foi ontem e eu ainda vejo ele na janela em que passa um depois do outro. Aos que gostam de dizer que há muita gente no mundo, digo, um amor é o mundo inteiro em nós dois. Publicado no site do jornal O Dia, 18 de junho de 2023. voltar |
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