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CARRÃO, O LIBERAL
Acadêmico: José Renato Nalini
Foi responsável pelo Partido Liberal entre 1858 e 1868. Influenciou a vida pública paulista e brasileira.

Carrão, o liberal

O nome Carrão é bastante mencionado em São Paulo. Vila Carrão, Conselheiro Carrão. Mas pouca gente hoje sabe qual a origem desse patronímico. Vem de João da Silva Carrão, paulista nascido em Curitiba em 14 de maio de 1810. A esse tempo, o Paraná não era Província, o que só ocorreu em 1853. Em sua matrícula nas Arcadas, está grafado Carram.

O melhor aluno de sua turma, a de 1833-1837, estudava o tempo todo e, para melhor aproveitamento, empregou-se como oficial guarda-livros da Academia. Defendeu tese de doutorado em 1838. Em 1843, com a morte do Padre Moura, catedrático de processo civil e criminal, inscreveu-se Carrão em concurso para ser lente substituto. Mas como era liberal e o movimento revolucionário de 1842 mal tivesse cessado, houve resistência à sua aprovação.

O diretor José Maria de Avelar Brotero comunica o fato ao Ministro do Império, José Carlos Pereira de Almeida Torres, que respondeu: "a congregação dos lentes deve atender somente às faculdades intelectuais e à capacidade literária dos concorrentes, ficando todas as mais considerações à prudência e ponderação do governo". Assim, Carrão foi nomeado lente substituto em 1845 e só chegou a ser catedrático em 1858, jubilando-se em 1879.

Como docente, era um dos luminares. Falava em voz baixa, sempre no mesmo tom, em estilo singelo, mas correto e fluente. Nas defesas de teses, era terrivelmente dialético. Mas raríssimas vezes negou aprovação ao doutorando. Na advocacia era sagaz, árbitro supremo da estratégia forense, hábil ao colocar bem as ações, muito bem sucedido.

Mas nada excede o êxito obtido como chefe político. Foi responsável pelo Partido Liberal entre 1858 e 1868. Influenciou a vida pública paulista e brasileira. Sua opinião era invocada e tinha força de lei. Como sói acontecer, enfrentou fogo amigo. Má vontade e ciúme de seus próprios correligionários.

Como era prudente e ponderado, às vezes fugia a posições bem definidas. Por isso, seus adversários o chamavam "o mágico", diante da habilidade com que se safava das mais complicadas situações.

Essa fama nasceu com a sua participação na Rebelião de 1842. Isso porque alguns liberais como Rafael Tobias de Aguiar, Diogo Antonio Feijó e o Senador Vergueiro inflamaram-se e se tornaram revolucionários. Outros, como Paula Sousa, os Andradas, Manuel Joaquim, Souza Queiroz, Joaquim Floriano e Manuel Dias, foram contrários à rebelião. Enquanto isso, pressionado a definir-se, Carrão conseguiu não ser nem pela revolta, como nem foi pela abstenção. Ficou em bons termos com os rebeldes de Sorocaba e com os liberais dissidentes, assim como era da confiança do Presidente Costa Carvalho.

Diz a lenda que na mesma data, escreveu em termos análogos a uns e a outros. Um equívoco no endereçamento fez com que as missivas fossem trocadas. Todavia, maliciosa tradição acrescenta que a troca de endereços não foi resultante de equívoco, mas de deliberado propósito, a fim de que os destinatários tomassem conhecimento de sua mensagem. Um requinte de habilidade e de savoir faire.

Na verdade, Carrão foi um grande homem. Conservador, mas com ideias avançadas, aceitava todas as teses liberais do direito público e da economia política. Propunha o fim do Poder Moderador, a eleição direta, a separação da Igreja do Estado, a liberdade de iniciativa e outras teses pioneiras para a época.

Na carreira política obteve as mais destacadas posições: deputado provincial, deputado geral, senador, presidente de província e ministro. O Governo entregou a ele a presidência do Pará e a de São Paulo. Foi ministro da Fazenda do gabinete presidido pelo Marquês de Olinda.

Em direito, perfilhava a escola histórica e admirava Savigny. Em filosofia, seguia Spencer. Em política, liberal como Gladstone, Benjamin Constant. Era bem racional e não parecia se emocionar. Para ele, guiar-se pelo sentimento era indício de inferioridade. Quanto ao amor, acreditava que ele não passa de patologia mental e que ao homem prudente convém libertar-se dele. Por isso, o casamento deveria ser uma opção da razão. Quem se casa por amor casa-se com um anjo. Na convivência, apurar-se-ão os defeitos de cada qual. E aí, adeus casamento!

Muito comedido ao criticar pessoas. Ao ouvir um amigo manifestar-se agressivamente contra um adversário, admoestou: - "Não fale assim. Amanhã poderá ser correligionário seu!". Quando o amigo passou, então, a elogiar o outro, retrucou: - "Também não vá tão longe! Poderá ter amanhã necessidade de acusá-lo!". O Conselheiro Carrão faleceu no Rio de Janeiro, a 4 de junho de 1888. Não chegou a ver a chegada desta República.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 15 06 2023



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