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O CERRADO? ESTÁ FERRADO!
Acadêmico: José Renato Nalini
Estamos a destruir com eficiência e celeridade o cerrado, sem dó, nem piedade. É triste, mas o cerrado está ferrado!

O cerrado? Está ferrado!

Com a decisão da União Europeia de vedar o ingresso de produtos oriundos de regiões desmatadas, agrava-se a condição do cerrado brasileiro. É que o alvo dos europeus é a Amazônia, nossa floresta considerada a última cobertura vegetal nos trópicos e essencial para a mitigação dos males decorrentes das mudanças climáticas. Enquanto isso, o cerrado resta desprotegido e a cupidez criminosa já se apercebeu da vulnerabilidade do bioma.

Em abril de 2023, houve um desmatamento recorde e, considerados os primeiros meses do ano, a devastação equivale à cidade de Palmas, capital do Tocantins. Isso é trágico, porque o cerrado brasileiro é a savana mais biodiversa do planeta. E a menos protegida. Pois ali existem terras públicas sem destinação e não foram criadas áreas de preservação.

Poucas pessoas têm conhecimento de que há uma interação do cerrado com a Amazônia, o que é essencial para garantir o regime de chuvas e abastecer os recursos hídricos do Brasil. Menos protegido do que a Amazônia, que teria de preservar 80 do território, o cerrado destina à preservação pífios 20. Assim como na Amazônia não se respeita o percentual, no cerrado menos ainda.

Embora no discurso o país tenha iniciado uma nova era em janeiro de 2023, sem estímulos oficiais para o "estouro da boiada", sabe-se que o desmantelamento das estruturas de fiscalização perdura e não é fácil prover os cargos vagos. Até porque, vive-se uma disputa louca pelos cargos de terceiro e quarto escalão, pois os quase quarenta partidos, embora não estejam integralmente ao lado do governo, querem participar da distribuição de benesses. Isso dificulta a nomeação, tamanho o número de apaniguados indicados para todas as funções. Enquanto a queda de braço não termina, organismos como IBAMA, FUNAI, CMBio e outros ficam sem braços e sem condições de defender a natureza.

Infelizmente, o cerrado só tem 7 de sua área formalmente protegida. Há quase três milhões de hectares de terras públicas vulneráveis e já objeto de grilagem das organizações criminosas apátridas que exploram ouro nas terras indígenas, acabam com a floresta e vivem de operações ilícitas, incluindo o tráfico de animais, de madeira, de minérios e de droga.

Corrigir os desmandos recentes e colocar ordem numa região de difícil acesso, cominada pela delinquência, desprovida de equipamentos estatais não é fácil. Aquilo que se verificou no ano passado, 2022, com a destruição desbragada na região conhecida por Matopiba - Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia - continua neste ano.

Além da destruição de uma exuberante biodiversidade, há muita ignorância na equivocada ocupação do cerrado. Há mais de trinta milhões de hectares de pastagens subutilizadas, com uma cabeça de gado por hectare, o que é verdadeira insanidade.

O resultado é que, exterminado o cerrado, numa era de mudança climática severa, a perda da produtividade da soja atingiu 30. Houve o que se chama tecnicamente "ótimo climático", a faixa de temperatura favorável à soja, que varia entre 20 graus centígrados e 30 graus centígrados.

A regularização fundiária, política estatal negligenciada, seria um fator de mitigação desse ecocídio que está sendo praticado no cerrado brasileiro. Não saber a quem pertence a terra, a própria União desconhecer o que é propriedade sua, incentiva a delinquência, ávida por se apoderar daquilo que, aparentemente, "não tem dono".

Causa imensa tristeza em pessoas sensíveis - elas ainda existem neste Brasil que, às vezes, quando se encara o governo, parece não ter alma - a perda de vazão dos rios do cerrado. Mais de 88 das 81 bacias hidrográficas do bioma já sofreram redução de vazão causada pelo desmatamento, flagelo que existe desde 1985 e chega aos nossos dias.

Prevê-se que o cerrado ainda perca 34 da vazão nas suas bacias nos próximos anos. Isso equivalerá a oito vezes o volume de água que corre pelo Rio Nilo, considerado um dos maiores do mundo, sempre a competir com o nosso Amazonas.

Talvez não haja esperança para o Brasil, senão rogar à União Europeia que também inclua o Cerrado, a Mata Atlântica, as restingas, os Pampas, nas restrições postas à entrada de produtos brasileiros no velho continente. Só quando estiver gravemente afetado o bolso, a economia dos insensatos, é que se cuidará de proteger o que recebemos de graça, mas estamos a destruir com eficiência e celeridade, sem dó, nem piedade. É triste, mas o cerrado está ferrado!

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 29 05 2023



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