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SÓ O JUDICIÁRIO NÃO VÊ
Acadêmico: José Renato Nalini
Já passou da hora de se adotar método mais eficiente de seleção, do que os necrosados testes de avaliação mnemônica ainda vigentes.

Só o Judiciário não vê

A música de Chico é bem significativa: "Eu bem que mostrei a ela. O tempo passou na janela. Só Carolina não viu". A Carolina é o sistema Justiça. Mais precisamente, o Judiciário. Continua a recrutar seus quadros mediante avaliação da capacidade mnemônica. Quer aquilatar se a jovem ou o jovem que pretende julgar seu semelhante decorou todo o conhecimento enciclopédico abrigado na legislação, na doutrina e na jurisprudência.

Isso é desnecessário. Basta um clique e a informação surge atualizada, online, imediatamente. Se for o caso, colorida e musical. Nunca houve tanto conhecimento disponível e acessível. Mas os concursos continuam na mesmice. Deixam de lado o que interessa e selecionam os que souberam decorar ou permaneceram anos a fio na memorização de dados cambiantes. Cada vez menos confiáveis, na profunda mutação em que o mundo mergulhou, mercê da inovação disruptiva e do avanço tecnológico.

Mais ainda, encarrega um grupo ad hoc para selecionar os profissionais que terão a imensa responsabilidade de julgar. A liberdade, a honra, o patrimônio e os mais valiosos bens das pessoas, confiados a quem se mostrou ter memória privilegiada. Será que isso é o bastante?

Enquanto isso, a iniciativa privada, que não pode contar com a compreensão do governo, que parece nutrir ojeriza pelo lucro e pelo empreendimento, procura suprir a escancarada deficiência do ensino convencional. Preocupação com sustentabilidade, ênfase nas competências socioemocionais, conhecidas também como "soft skills", é o que leva as empresas a fomentar a formação do próprio pessoal.

O profissional de hoje - e principalmente o de amanhã - precisa estar preparado para a surpresa. Tem de ter capacidade de adaptação a novos cenários. Por isso é preciso pensar em análise de dados, usar a Inteligência Artificial e não ser por ela tragado.

Programar é tarefa hoje exigível a qualquer bom profissional. Assim como treinar a comunicação, a empatia, a habilidade para trabalhar em grupo, a sensibilidade e outros atributos negligenciados durante todo o percurso escolar prévio à Universidade e nela também deixados de lado.

Ninguém acredita mais na eficácia de transmissão de conhecimento mediante aulas expositivas que pressupõem ausência de qualquer acervo prévio de parte do alunado. O docente precisa ser um indutor da curiosidade, para que o educando seja desperto para o autodidatismo.

As empresas sabem disso e procuram quadros que tenham vontade de aprender continuamente. Aprender formal e informalmente e aprender sozinho. Valendo-se do incrível conjunto de dados disponíveis, que incluem milhões de obras em domínio público, milhares de bibliotecas e de centros culturais nos quais aprender só depende da vontade do interessado.

O setor empresarial, que sobreviveu às vicissitudes do século XX, conseguiu superar as dificuldades naturais e aquelas criadas por um Estado perdulário, que onera quem produz e nada entrega, senão o espetáculo deprimente da política partidária profissionalizada, tem suas próprias Universidades Corporativas. E recorre a empresas especializadas, a "headhunters", quando precisa de quadros diferenciados.

Enquanto isso, as carreiras jurídicas entregam essa função a integrantes das próprias carreiras, admitindo, no máximo, a inclusão de um advogado indicado pela OAB. Requer-se experiência em recrutamento? Conhecimento de RH? Ou psicologia? Qual a expertise dos membros da Comissão de Concurso de Ingresso?

O Brasil precisa de profissionais com capacidade crítica suficiente para propiciar a renovação de Instituições ainda marcadas por conservadorismo, ranço burocrático, tendentes ao exercício de um corporativismo patológico, resistentes à inovação, cujos integrantes, cada vez mais insatisfeitos, sentem-se vítimas por todos incompreendidas.

A cidadania merece profissionais éticos, vocacionados, entusiastas e felizes com a missão para a qual foram investidos. Nem sempre os que sabem de cor toda a ciência jurídica são os melhores artífices do justo humano concreto. Basta aferir o que a população acha do sistema Justiça.

Já passou da hora de se adotar método mais eficiente de seleção de juízes, promotores, defensores, procuradores, delegados, delegatários, do que os necrosados testes de avaliação mnemônica ainda vigentes.

O tempo passou na janela. Só o Judiciário não viu...

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 28 05 2023



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