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O PRIMEIRO DOUTOR
Acadêmico: José Renato Nalini
O primeiro doutor a obter "borla e capelo" - na linguagem da época - foi Manuel Dias de Toledo.

O primeiro doutor

Hoje, a pós-graduação se ampliou e existem inúmeras oportunidades abertas a quem queira obter o título de Mestre ou de Doutor, ambos a cargo de programas de pós-graduação em sentido estrito. Mas nem sempre foi assim. Pense-se que enquanto as colônias espanholas tiveram Universidade já no século XVI, o Brasil teve o seu primeiro curso universitário no século XIX e a primeira Universidade no século XX.

Por isso, importante que os jovens de hoje tenham ciência de que o primeiro doutor a obter "borla e capelo" - na linguagem da época - foi Manuel Dias de Toledo, um paulista de Porto Feliz, nascido em 23 de abril de 1802. Integrou a primeira turma a se formar na Academia do Largo de São Francisco, instalada em 1828, depois da criação, por D. Pedro I, em 1827.

Sempre foi um dos mais aplicados alunos. Dele os colegas costumavam dizer: "Este Manuel Dias estuda, no mínimo, 25 horas por dia!". Em 1829, foi indicado por Avelar Brotero, o primeiro professor das Arcadas, para o prêmio destinado aos melhores. Também compunham a lista Pimenta Bueno e José dos Reis, este o ganhador da láurea.

Aprovado plenamente, Manuel Dias defendeu teses em 1833. Submeteu-se a concurso, juntamente com o padre Vicente Pires da Mota e, ambos aprovados, foram nomeados pelo governo em 22 de maio de 1834. Assumiu a cadeira de Direito Eclesiástico e depois transferiu-se para a disciplina de Direito Criminal. Ensinou a ciência jurídica penal até sua jubilação, em 26 de outubro de 1870.

Era uma pessoa admirável. A todos atendia, quando o procuravam. Era um professor atencioso. Um cidadão respeitado por seus colegas, por seus alunos e pela cidadania em geral. Retidão de caráter, numa época de flexibilização de costumes, conforme os registros históricos noticiam.

Tão ingênuo e bondoso, que também era alvo das costumeiras falsetas praticadas pelos acadêmicos. Todas as tardes fazia um passeio e ia ao bairro da Glória, onde existia a possibilidade de ouvir o eco da própria voz.

Os alunos sabiam que esse era o hábito do professor e então se escondeu, postando-se no lugar de onde parecia provir o eco. Todos tinham conhecimento de que um eco insólito repetia, com nitidez muito rara, as frases lançadas ao vento.

Nesse dia, ao dizer: "Bom dia, eco!". Ouviu em resposta: "Bom dia minha gente!". O professor Manuel Dias se assustou: - "Oh! Que é isto? Um eco que responde?". E continuou: "Quem é que está aí?". A resposta: - "Não é da sua conta, seu cara de macaco!".

O professor não era tolo. Concluiu que alguém troçava com ele e terminou o diálogo: "Mau, mau! O eco está hoje muito malcriado. Vamo-nos embora, antes que saia coisa pior!".

Raro talento, não podia o Império desperdiçar sua erudição e capacidade de trabalho. Por isso, de 1834 a 1837, integrou o Conselho Geral do governo da Província, cuja vice-presidência exerceu de 1835 a 1837. Em 1836 , foi nomeado presidente da Província de Minas Gerais.

Foi deputado por São Paulo à Assembleia Geral, nas legislaturas de 1838 a 1841. Reeleito em 1842, não chegou a exercer suas funções parlamentares, pois a Assembleia foi dissolvida. Mas foi membro da Assembleia Provincial de São Paulo durante cinco legislaturas.

Aceitou responder pela Penitenciária de São Paulo, função espinhosa que exerceu até falecer, em 6 de março de 1874. O primeiro doutor pela escola que se tornaria a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo notabilizou-se por uma participação ética e devotada a todos os encargos a que se submeteu. Deixou descendência, de seu casamento com Isabel Martins Bonilha, filha de um fazendeiro muito rico, Francisco Martins Bonilha, aparentado com a família Toledo Piza.

Seus filhos André Dias de Aguiar e Manuel Dias de Toledo honraram a ascendência e seu neto, Manuel Dias de Aquino e Castro, foi juiz federal em São Paulo.

Em nossos dias, a facilidade com que se pode obter o título de Mestre ou de Doutor - ou mesmo a categoria ainda incipiente do "Pós-doutorado" - não sugere aos alunos que se dedicam à pesquisa e se propõem a elaborar dissertações e teses que impactem a sociedade, que em tempos idos a obtenção era diversa e tão mais difícil.

O importante é que em todas as áreas, o profissional se convença de que insuficiente a obtenção de um diploma, em era de profunda mutação estrutural, provinda de revoluções industriais, informáticas, eletrônicas, cibernéticas, telemáticas, etc., o que obriga qualquer pessoa a se manter estudando, para não perder o supersônico da História.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 24 05 2023




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