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Acadêmico: José Renato Nalini Os tempos mudam e com eles, valores declinam. Coerência, destemor, lucidez, transparência, não são bens abundantes nas rodas de convívio superficial
Não faltava coragem Um dos fenômenos detectáveis em círculos ditos intelectualizados, é a tendência à pusilanimidade. Quando se deixa a bolha do fanatismo polarizado, no qual a insensatez predomina, é comum se queira "estar bem com todos" e não assumir posições que possam merecer resistência. Com isso, estimula-se uma prática na qual já dispomos de muitos pós-graduados: a hipocrisia. Os tempos mudam e com eles, valores declinam. Coerência, destemor, lucidez, transparência, não são bens abundantes nas rodas de convívio superficial. Mas os moços precisam de bons exemplos. Têm necessidade de saber que nem sempre foi assim. Quando encontramos episódios que possam evidenciar o que já se viveu neste chão de Piratininga, é nosso dever relembrá-los. Foi o que pensei ao ler sintética biografia de Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, paulistano nascido a 8 de setembro de 1797. Primeiro aluno da primeira turma das Arcadas - entre 1828 e 1832 - era também presbítero. Foi aluno de Mont-Alverne, que o considerava um dos melhores. O bispo Dom Mateus o encarregou de reger a cadeira de História Eclesiástica, no recém-criado Seminário de São Paulo. Sua ativa participação na vida política do primeiro Império, fez com que em 1823, o padre Manuel Joaquim fosse deportado para o Rio, por ordem de D. Pedro I, pois era acusado de tramar a república. Ao ingressar nas Arcadas, foi eleito membro do Conselho Geral da Província e do Conselho do Governo. Foi também deputado provincial de 1834 a 1842 e de 1847 a 1848. Seu entusiasmo pela política local arrefeceu quando da Revolução de 1842. Ele divergia do chefe, o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e de outros líderes do Partido Liberal, como Feijó, Vergueiro e Rodrigues dos Santos. Era contrário à revolta e se absteve de encampar, com sua responsabilidade política, aquele movimento armado. Tobias de Aguiar o não perdoou. Mas isso não impediu que Manuel Joaquim do Amaral Gurgel se destacasse como um dos mais importantes membros da Igreja paulopolitana. Não chegou a ser bispo, eis que em 1834, publicou um opúsculo desassombrado. Compartilhava as ideias já defendidas por Padre Diogo Antonio Feijó, por Vicente Pires da Mota e outros ilustres sacerdotes do clero paulistano. Nesse opúsculo, ele defendia as teses que seguem: 1) A lei do celibato clerical não é conforme aos princípios comuns de direito público universal, nem de direito público eclesiástico; 2) Contravém os direitos majestáticos e episcopais; 3) Não é da tradição apostólica, nem mesmo da antiga Igreja; 4) nunca foi observada pela Igreja Grega e nem pela Latina, durante muitos séculos; 5) É lei disciplinar; não é questão de fé: e cumpre não confundir a lei com a disciplina. Esses argumentos ainda são irrespondíveis. Quando o celibato é uma opção pessoal, muito legítima sua observância. Quando imposto, gera problemas que não deixam de representar mais um espinho na coroa de Cristo. Por sustentar essa posição e travar uma polêmica exacerbada com o arcebispo da Bahia, o Padre Manuel Joaquim incorreu na censura de grande parte da Igreja e conquistou o ódio de pessoas em tese submetidas à segunda maior lei do Cristianismo: "Amar ao próximo como a si mesmo". A primeira, todos sabem, é "amar a Deus sobre todas as coisas". Simultaneamente ao ressentimento clerical, ele conquistava os louros das Arcadas. A Congregação Geral dos Lentes outorgou-lhe um título, "para prova autêntica de que lhe foi conferido um dos prêmios de mérito literário decretados pelos estatutos". Defendeu tese e foi aprovado por unanimidade. Mesmo antes, foi nomeado lente substituto interno e chegou à cátedra em 1834, na qual se conservou até à jubilação em 24 de maio de 1858. Um aluno seu, Francisco Otaviano de Almeida Rosa, bacharel da turma de 1845 e famoso escritor e político, diz sobre seus pendores docentes: "A linguagem de Amaral Gurgel era fluente, sem artifício, sem preparo: não se elevava muito, mas era elegante na sua naturalidade: jamais se tornou acrimoniosa. Nunca lhe ouvimos uma agressão pessoal, sequer mesmo uma insinuação". A diretoria da São Francisco encontrava-se vaga desde 1842. O Visconde de Goiano, então nomeado, nunca tomou posse. A vacância durou quinze anos, até que o Governo se recordou do Conselheiro Manuel Joaquim. Faleceu em 15 de novembro de 1864, aos 67 anos de idade. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 22 05 2023 voltar |
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